A Igreja da Misericórdia

Quando a rainha D. Leonor fundou, em 1498, a Misericórdia de Lisboa, para o exercício da caridade, não tardou muito até que em Guimarães lhe seguissem os passos. Logo no início do século XVI, a Irmandade da Misericórdia vimaranense foi instalada na Capela de S. Brás, erecta no claustro da Colegiada, que ficaria conhecida como a Misericórdia Velha. O século não chegaria ao fim sem que, pela notória estreiteza daquele espaço para o serviço da confraria, se diligenciasse para a dotar com instalações mais adequadas.
Segundo o Padre Torcato Peixoto de Azevedo, a instalação da Misericórdia em mais nobres acomodações na rua Sapateira (actual rua da Rainha D. Maria II) ficou a dever-se à iniciativa de Pedro de Oliveira, Cavaleiro da Ordem de S. Tiago, natural de Guimarães.
Em Abril de 1587, a Misericórdia obteve do rei Filipe I um Alvará régio que lhe concedia poderes para expropriar os prédios da Rua Sapateira de que necessitava para construir a sua casa e igreja. No livro de contas da obra, Pedro de Oliveira anotaria: "com ajuda de Nosso Senhor e por intercessão da Sacratíssima Virgem Nossa Senhora, comecei a dar princípio à casa nova da Santa Misericórdia, posto que foi encontrada de muitos e ajudada de poucos, sendo escrivão da mesa e servindo de provedor por ser ausente Francisco Rebelo, comendador de Unhão, que o então era, no derradeiro dia de Maio de mil e quinhentos e oitenta e oito”.
Os trabalhos nas fundações e nos anexos da Misericórdia arrastaram-se até 1595. No dia 16 de Abril desse ano, Gonçalo Lopes, mestre de pedraria, e o seu genro Pedro Afonso de Amorim, moradores na Rua Caldeiroa, celebraram escritura com a Misericórdia, através da qual se obrigaram a construir, em pedra, a respectiva capela. Três anos depois, António Fernandes, carpinteiro da Rua Nova do Muro, adjudicou a colocação da cobertura da capela-mor da igreja da Misericórdia. Em 1599, Guimarães seria devastada pela terrível Peste Pequena, que, de pequena apenas teve o nome. Enquanto durou, a vila esvaziou–se de gente e as obras da Misericórdia tiveram de ser suspensas.
A empreitada de Gonçalo Lopes foi dada por concluída em Abril de 1601. A 14 de Novembro de 1604, após o falecimento daquele mestre de pedraria, a Misericórdia encarregou da construção da fachada e do coro alto da igreja os seus sucessores, Pedro Afonso de Amorim e João Lopes de Amorim, seu cunhado. A Igreja foi inaugurada em 1606. Em 1607 foi decidido refazer a fachada, segundo novo traço então proposto por João Lopes de Amorim. Este arquitecto estaria ligado às obras da Misericórdia até à sua conclusão, em 1640.
Com a sua admirável fachada-retábulo, marcada pela verticalidade, pelo recurso a escalas ambíguas e pelo emprego de um esquema ornamental de inspiração flamenga, a Igreja da Misericórdia de Guimarães é um dos exemplos mais salientes da arquitectura maneirista do Noroeste peninsular, integrando-se na produção da célebre escola dos Lopes.
O Padre Torcato de Azevedo descreveu assim a Misericórdia de Guimarães, em finais do século XVII: “é o frontispício de obra romana, fazendo frente ao Norte, e tem sobre a porta principal uma varanda sobre colunas de pedra, onde está encostada uma vidraça que dá luz para os capelães desta casa poderem rezar no coro, o qual está por cima da porta da igreja. É esta muito grande e forrada toda de madeira apainelada, e se divide da capela-mor por um grande arco, e esta é toda de abóbada apainelada, com os Mistérios da Paixão de Cristo pintados e dourados”.
A Igreja da Misericórdia ostenta uma frontaria imponente, com pórtico rasgado em arco de volta perfeita. Na fachada, são visíveis dois medalhões característicos da escola dos Lopes, enquadrados por duas colunas coríntias de dimensões assinaláveis com decoração em bicos de diamante na parte inferior dos respectivos fustes. No registo superior da fachada, também entre colunas e sob um frontão triangular, encontra-se um nicho envidraçado onde se recolhe uma imagem de Nossa Senhora da Misericórdia. Por cima deste conjunto, desenha-se um frontão circular interrompido.
O interior da igreja, porém, pela sua menor dimensão, contrastava com a grandeza da fachada. De nave única e capela-mor rectangular, o edifício foi traçado sobre planta longitudinal. Segundo o Padre António Ferreira Caldas, “para evitar estes defeitos e remediar tal acanhamento, já no correr dos anos se haviam feito algumas reformas; mas eram todas incompletas e de pouca importância, sendo destas a mais notável a colocação do altar-mor e tribuna em 1615, que era de talha magnífica e soberba, mas que os vândalos do camartelo deturparam em 1814, roubando-lhe os mais belos ornatos, e dando-lhe uma forma mais singela e menos esbelta”.
A Misericórdia de Guimarães é, desde 1974, monumento classificado como Imóvel de Interesse Público.

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