O Azemel Vimaranense

A imprensa periódica tem uma presença muito antiga e activa na vida local vimaranense Até aos nossos dias, já se publicaram em Guimarães mais de cento e cinquenta título: de jornais, parte deles de existência efémera, outros com uma longevidade assinalável O percursor foi o Azemel Vimaranense, que nasceu por volta de Outubro de 1822, aquando do juramento da Constituição Liberal, e desapareceu em Maio do ano seguinte, com a insurreição absolutista liderada por D. Miguel que ficou conhecida pela Vilafrancada.

Defensor dos ideais do liberalismo, recorrendo a uma linguagem cáustica e mordaz, o Azemel teve, no curto espaço da sua existência, uma participação activa e participante na turbulência política que atingiu Guimarães nos primeiros tempos do Liberalismo, Embora os textos que publicava não fossem assinados, terão sido seus redactores José de Sousa Bandeira, escrivão judicial de Guimarães, Manuel Luís Pinheiro Nogueira Gouveia, professor de Filosofia, Gramática Latina, Música e Cantochão, e frei Rodrigo Joaquim de Meneses, monge Jerónimo natural de Guimarães, que em 1829 foi preso, por combater o absolutismo, tendo sido condenado no ano seguinte a degredo, por toda a vida, para um dos presídios de Caconda (Angola).

O principal animador desta publicação foi José de Sousa Bandeira, que nasceu em Lisboa, em 1789. O seu pai, também José de Sousa Bandeira, foi nomeado, em 1808 proprietário do cargo de escrivão do judicial da comarca de Guimarães pelo príncipe regente, futuro D. João VI, que seria herdado pelo filho.

Bandeira participou activamente na vida política. Perseguido pelas suas ideias, foi preso na Relação do Porto, em 1824, por delito de opinião. Voltou para as masmorras no início de 1829. Em 1828, tinha acompanhado o exército liberal para a Galiza, para evitar a perseguição dos absolutistas, a quem não poupava nos seus escritos inflamados. Por força da sua acção em defesa dos ideais liberais, Guimarães tinha sido uma das últimas terras do reino a reconhecerem D. Miguel. O exílio seria curto. Sousa Bandeira não resistiria a voltar clandestinamente a Portugal, tendo-se escondido no Porto onde acabaria por ser descoberto, preso e condenado à morte. No dia 10 de Outubro de 1829, a pena seria comutada. Teve a mesma sorte que o frade Rodrigo Meneses, o degredo perpétuo para Angola, cabendo-lhe em sorte o presídio de Pungo Andongo. Caso regressasse, enfrentaria a execução. Conduzido para a prisão em Lisboa, não teria chegado a embarcar para o degredo, tendo sido devolvido à liberdade apos o desembarque do Duque da Terceira, em 1833. Regressaria a Guimarães onde teria participa­ção activa na célebre Sociedade Patriótica Vimaranense. Em 1836, após a morte da sua mulher (filha de outro dos redactores do Azemel, Manuel Luís Gouveia), foi transferido por Passos Manuel para o Tribunal do Comércio do Porto, onde se notabilizou como redactor do Artilheiro e do Braz Tizana.

O Azemel ostenta, no cabeçalho, a seguinte quadra: Aqui vão troando / Os ecos das bombas, /Que estouram nas trombas /dos Rinocerontes. Os seus textos panfletários esgrimem ferozmente contra os corcundas (absolutistas). Para dar uma ideia do estilo desta folha, aí transcrevem-se excertos do texto O Velho e a sua Cabeleira publicado em 7 de Maio de 1823, no qual os corcundas são personificados pelas figuras dos cabeleireiros:
O Velho Portugal estava enfermo; os Mandões o haviam entisicado, tinha febre radicada e, desenganado do seu fim, apenas nutria a consoladora ideia das suas antigas proezas e da sua antiga prosperidade; velho e enfermo, ele ia ser riscado da lista dos viventes, e em seu testamento, parto já do seu febril delírio, deixava a Sir William Carr Beresford os restos minguados de sua fortuna. Seus filhos viam com mágoa a próxima crise do seu desgraçado pai; juntam-se todos em 24 de Agosto e, por um daqueles esforços que honram a Natureza, disseram: "Vamos salvar nosso Pai". Graças à Divindade, o Velho escapa da enfadonha tísica, ergue-se da cama, e melhora. (...) Rasgou seu testamento, pôs-se à moda, atou o cabelo, e deitou fora a sua Cabeleira. Os Cabeleireiros, porém, gente ociosa e que estava em a antiga posse de sustentar seu ócio e sua grandeza faus­tosa à custa da Cabeleira do Velho novo, disseram: "Que será de nós? Ele já anda à moda, adeus pós, adeus pomada e adeus rabicho; busquemos outro ofício, estamos perdidos". Juntam-se os Cabeleireiros todos e conspiram contra quem pôs o Velho à Moda. (...) Fizeram tal barulho que o Velho esteve a ponto de tornara usar de Cabeleira, não porque seja melhor, ou porque melhor lhe fique, mas porque sem Cabeleira não há Cabeleireiros, e estes não querem perder o seu ofício. Com tanta pressão, o pobre velho recaiu; está de cama, tornou a febre, tem fastio e está em perigo. Para o salvar, a família do Velho não deve usar de xaropes, mezinhas e chás de carqueja, mas de remé­dios violentos, pois que os Cabeleireiros, tomando o freio nos dentes, foram juntar-se aos Cabeleireiros da margem do Sena, e do Don, e vêm todos obrigar o pobre Velho a usar de Cabeleira, por faz, ou por nefaz.

Não se conhece a colecção completa do semanário Azemel Vimaranense, que se publi­cou com uma periodicidade irregular. Na Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, guardam-se três números do primeiro ano e dois do segundo. Na Biblioteca Nacional existem dois exemplares de 1823.

Comentar

0 Comentários