Memórias Paroquiais de 1758: Urgezes

Palacete de Vila Flor, numa estereoscópia de Antero Frederico de Seabra (1858)
No roteiro pelas freguesias que contornavam a antiga vila de Guimarães, segue-se Urgezes, que o padre da freguesia, em 1758, escrevia com a ortografia que lhe conhecemos durante séculos: Urgeses. Confesso que tenho muita dificuldade em perceber porque é que, em tempos recentes, alteraram o nome à freguesia, passando a escrevê-lo com z.

Explico porquê. A referência mais antiga a esta freguesia que conheço aparece num documento do ano de 926, a “Carta de Crexemiri quod fecit Ranemirus rex”, onde aparece como Colgeses, designação em que aparece em vários documentos medievais, a par de Ulgeses, algumas vezes como Santo Steuam Dulgeses. Na Idade Moderna, a grafia do topónimo fixa-se em Urgeses. O modo como o nome se escreveu variou ao longo do tempo, mas manteve uma constante: a terminação em eses. Foi preciso chegar ao século XXI para, provavelmente para dar uma entoação mais arcaica e um acrescento, desnecessário, de pretensa antiguidade, se decidir reformar a ortografia oficial do nome da terra, consagrando uma tal Urgezes que nunca o tinha sido antes. Vá-se lá perceber porquê.
Entretanto, cá fica a memória paroquial de Santo Estêvão de (enquanto não lhe repuserem o nome) Urgezes.


Urgezes
Muito Reverendo Senhor Doutor Provisor. O padre Custódio António de Sousa, pároco de Santo Estêvão de Urgezes, satisfazendo a uma ordem do Muito Reverendo Senhor Doutor Provisor do Arcebispado de Braga Primaz, que me foi entregue com o papel incluso para haver de informar de tudo o que se contém em seis interrogatórios ao qual satisfazendo e respondendo a eles e juntamente informando-me, acho o seguinte.
A minha freguesia é o seu orago Santo Estêvão de Urgezes. É do Arcebispado de Braga, termo e comarca de Guimarães. É apresentação do Reverendo Cabido da Real Colegiada da mesma vila.
Tem esta freguesia, vizinhos, cento e catorze, pessoas de sacramento, trezentas e dez, menores quarenta.
Está a paróquia situada num vale, defronte da serra de Santa Catarina que o reverendo pároco do seu distrito dará razão de suas propriedades, se as tiver. Descobre-se desta paróquia a igreja de São Pedro de Polvoreira, que dista desta um quarto de légua. Descobre-se mais desta a igreja de Santa Eulália de Pentieiros, que dista desta meia légua. Descobre-se mais a igreja de São Cipriano de Tabuadelo, que dista desta meia légua. Descobre-se mais o monte de São Bento, que dista desta três quartos de légua. Descobre-se mais a capela de Nossa Senhora do Monte, que dista desta três quartos de légua.
Não tem termo, está a paróquia no meio da freguesia. Tem, lugares, trinta e nove e entra em partes de duas ruas da vila. São os seus nomes: Assento da Igreja, Estrada, Aldeias, os Remédios, Trofas, Covas, Fondevila, Salgado, Sabacho, Vila Nova, Barroca, Rua das Molianas, Torre, Rua Caldeiroa, Sardoal, Vila Flor, Minhoto, Casa Velha, Monte, Souto, Franco, Casa Nova, Fonte, Santa Lapa, São Roque, Boavista, Passo, Cachada, Souto Novo, Rola, Parede, Entre-as-Vinhas, Pombal, Preza, Penenrique, Outeiro, Laje, Maina, Cal, Herdade, Carreira, Vila Chã. E muitos destes lugares não têm senão uma casa.
Tem esta paróquia três altares: o altar-mor é do orago, o da parte do Evangelho é de Nossa Senhora do Rosário, o da parte da Epístola é de São Sebastião. Não tem naves. Tem só uma irmandade, de Nossa Senhora do Rosário.
O pároco desta igreja é vigário perpétuo. Os dízimos e sabidos são do padroeiro, que é o reverendo Cabido de Guimarães, o que tudo anda arrendado em quatrocentos mil réis. O pároco só tem o pé de altar que, com o salário de onze mil réis e seu pequeno passal, um ano por outro, lhe rende sessenta mil réis.
Não tem beneficiados, nem conventos de um e outro sexo, nem hospital, nem misericórdia.
Tem duas ermidas, uma chamada de Nossa Senhora dos Remédios, de que é administrador João da Cunha Souto Maior, vínculo de seu morgado, morador na sua Quinta de São Cosme e Damião de Lobeira, termo desta vila. Está dentro do lugar; por acaso vêm alguns romeiros pelo ano, sem ser em dia certo; tem fábrica. Há outra ermida, chamada do Bom Jesus de São Roque, é seu administrador o reverendo abade de São Gens de Calvos, Tomás de Mesquita e Silva, a quem pertence. Tem fábrica, fica dentro do lugar, não tem romagem.
Os frutos desta terra são milho grosso, miúdo, feijão, trigo, centeio. E o que se colhe com maior abundância é milhão e vinho e azeite e castanhas e frutas em menos abundância.
Não tem juiz ordinário, nem câmara. Está sujeita ao governo das justiças do termo e comarca. Não é couto nem cabeça de concelho, nem há memória de que florescessem homens por virtudes, letras ou armas.
Não tem feira, nem correio, sirvo-me do da vila de Guimarães que chega no domingo à noite e parte na sexta-feira de madrugada para a cidade do Porto que dista desta nove léguas, e dela se reparte para as mais partes.
Daqui a Braga, capital do Arcebispado, são três léguas e a Lisboa, capital do Reino, são sessenta léguas.
Estão nesta freguesia encabeçados doze privilégios de Nossa Senhora da Oliveira, seus donos têm o domicílio fora desta freguesia. Há mais o do Tabaco, Trindade, Cativos e de Santo António de Lisboa e da Bula
Não há mais de que dar parte. Não tem esta freguesia fonte nem lagoa célebre nem perto dela há porto de mar, nem é murada, não houve no terramoto do ano de mil e setecentos e cinquenta e cinco ruína alguma nesta freguesia. Não tenho mais de que dar conta dos interrogatórios contidos no papel a esta junto. Enquanto aos interrogatórios que tratam de serras e rios, não dou razão, porque os não há nesta freguesia.
Isto é o que posso informar a Vossa Mercê, ao que assistiram os dois reverendos párocos vizinhos, que são o reverendo Francisco Fernandes Cruz, vigário de São Miguel de Creixomil e o reverendo Jerónimo Ribeiro, vigário de São Vicente de Mascotelos, que comigo assinaram. Santo Estêvão de Urgezes, 15 quinze de Abril de mil e setecentos e cinquenta e oito anos 1758. De Vossa Mercê súbdito.
O vigário Custódio António de Sousa.
O vigário Francisco Fernandes Cruz.
O vigário Jerónimo Ribeiro Salgado.


“Urgezes”, Dicionário Geográfico de Portugal (Memórias Paroquiais), Arquivo Nacional-Torre do Tombo, Vol. 41, n.º 361, p. 2189 a 2192.

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