Igreja do Mosteiro de S. Torcato. |
S.
Torcato tem por orago o santo que lhe dá o nome, que ali se guarda
“em carne”. Tem um mosteiro “muito antiquíssimo”, uma capela
de Nossa Senhora do Bom Despacho, meeira com a freguesia de
Gominhães, uma fonte com ma formosa fonte cuja água trem “virtude
sanativa de algumas enfermidades, como são maleitas e febres”,
dois lagares de azeite, cinco moinhos, e uma feira de gado franca,
que durava “três ou quatro horas, pouco mais ou menos”. Tudo
isso, e algo mais, se conta na memória que o seu pároco escreveu em
1758.
S.
Torcato
Muito
Reverendo Senhor Doutor Provisor.
Fiz
exacta diligência para descobrir com toda a individuação o que se
me determinava no papel impresso de Sua Majestade Fidelíssima e
mandado a esta paroquial igreja por ordem expressa de Vossa Mercê, e
o que pude obter foi o seguinte.
É este
mosteiro de São Torcato muito antiquíssimo e fica na Província de
Entre-Douro-e-Minho, do termo da vila de Guimarães, Arcebispado de
Braga Primaz. É data do Reverendo Cabido da dita vila e é
vigairaria confirmada. O seu orago é São Torcato, que existe em
carne, intruso num túmulo de pedra gessado, com duas pirâmides, uma
de cada parte, e, no meio, uma cruz e, na fronte deste, está o
dístico seguinte:
Hoc
tumulo illeziz conduntur
Carnibus
ossa
Torquati
Diui pignora chara Deo.
E, mais
abaixo, estão também, em distinta pedra, escritas estas formais
palavras:
Ano
1637 se guarneceu esta sepultura e aberta se achou o corpo em carne
inteiro vestido em pontifical com báculo.
De São
Torcato se diz fora um dos discípulos de São Tiago e que também
fora Bispo em Acci, cidade de Galiza e hoje com o título de Guoadiz.
Nesta mesma cidade afirma Estaço que jazia sepultado o corpo do
Santo a tempo que um cruel mouro chamado Abderamen, destruidor do
cristianismo, quis mandar queimar todos os corpos dos santos que
naquela cidade se achavam. Mas foi tal a devoção de alguns
Cristãos, que, indo às sepulturas, tiravam como podiam as relíquias
dos santos e com elas fugiam contra estas partes do Norte e, conforme
a pressa que levavam, assim as deixavam onde melhor lhes parecia e
alguns as enterravam em lugares assinalados, onde as tiveram muito
tempo escondidas. E diz o escritor que o corpo de São Torcato se
achou junto a Guimarães, perto do mosteiro onde hoje está, ao pé
do monte, junto de uma formosa fonte, por causa de umas luzes que de
noite apareciam sobre o lugar onde o corpo do Santo estava e nele
mesmo, se diz, lhe edificaram a ermida que ainda hoje existe, chamada
São Torcato, o Velho. E dela o mudaram para o mosteiro que se lhe
fez da sua vocação, que, dizem, lhe mandou fazer el-rei Radomiro,
tio da Condessa Mumadona, que depois foi senhora do dito mosteiro, e
dela passou ao Senhor Rei Dom Afonso Henriques o qual fez mercê dele
aos padres de Santo Agostinho, com grandessíssimos privilégios e
lhe determinou que daí em diante se chamasse o mosteiro de Santa
Maria, pelo muito que era devoto da Senhora, mas os moradores desta
freguesia, como tinham tanto impressos os favores que recebiam do
Santo, sempre continuaram com lhe chamar mosteiro de São Torcato. E
destes padres passou para o poder de um devoto e pio varão, chamado
João de Barros, cónego da Sé de Braga, o qual, segundo dizem, por
autoridade Apostólica do Papa Xisto quarto, se introduziu neste
mosteiro e lhe agregou mais o mosteiro de São Gens de Montelongo e
mosteiro de Telões e, do dito cónego, passou para o poder do
reverendo Cabido da vila de Guimarães, por renúncia que lhe fez e
pensão que tirou de quarenta mil réis. E diz o autor que o Senhor
Dom Lourenço, Arcebispo que foi de Braga, anexara ao dito mosteiro
duas igrejas vizinhas, chamadas S. Cosme da Lobeira e São Romão de
Rendufe.
As rendas
que deste mosteiro recebe o Reverendo Cabido serão bons quatro mil
cruzados. O que recebe o pároco para sua côngrua sustentação, um
ano por outro, serão duzentos mil réis, pouco mais ou menos.
A igreja
está situada não em parte muito alta, nem muito baixa, e está em
meio da freguesia. A casa da residência está chegada à igreja. Tem
vista espaçosa, pois de umas janelas se vê parte da serra de Santa
Catarina, que dista quase uma légua, e de outras se vê muito mais.
E o que se vê são terras cultivadas, montes e vales.
Tem esta
igreja um lugar vizinho, chamado do Assento, que inclui o número de
quarenta pessoas. Tem o lugar de Vilar, lugar do Couto, lugar da
Cachada, lugar das Quintãs, lugar de Campos, lugar do Outeiro, lugar
de Montenegro, lugar de Cima de Selho, lugar da Corredoura, lugar de
Cortinhas, lugar dos Moinhos, lugar de Segade, lugar do Sobredo,
lugar da Cruz, os quais, segundo consta do rol dos confessados,
contêm o número de mil e trinta e cinco pessoas.
Tem a
igreja cinco altares. Um maior em que está o Sacramento Augusto e
dois laterais, um com o título de Nossa Senhora do Rosário e outro
das Santas Chagas, outro de Santa Catarina e outro do orago que é
São Torcato. E estes estão numa capela mística1
com o mesmo mosteiro. Não tem naves. Tem irmandades, duas, uma das
Almas, outra de Nossa Senhora do Rosário. Não tem beneficiados, nem
conventos, nem hospital. Tem ermidas, uma de São Torcato, outra de
São João de Segade, outra de Nossa Senhora do Bom Despacho, meeira
com a freguesia de São Pedro Fins de Gominhães, com sua irmandade
da mesma Senhora do Bom Despacho. Tem outra ermida no lugar de Vilar,
com o título de São José, que pertence a António Ribeiro, homem
de negócio da vila de Guimarães. As outras acima mencionadas são
desta igreja e tem obrigação de as fabricar o reverendo Cabido da
vila de Guimarães, pois é o direito senhor. Enquanto às romagens,
só no dia da festa que se faz no dia de São João, vinte e cinco2
de Junho, acode alguma gente, mas não se ofertam com coisa alguma.
Também na festa que se faz à Nossa Senhora do Bom Despacho, na sua
capela e na segunda oitava de Páscoa, se junta gente e se ofertam
com alguma coisa, que de pouco rendimento é.
Os frutos
que nesta terra se colhem são milhão, centeio e milho miúdo,
feijão e vinho. Também se semeiam alguns trigos, mas estes mais são
para os lavradores pagarem as rendas, do que para se utilizarem
deles.
A capela
de São Torcato, lugar da sua aparição, está quase derruída e
nela há muitos anos se não diz missa, nem se faz festa ao mesmo
Santo, e só sim se faz nesta igreja de São Torcato, no primeiro de
Maio. E, nesse dia e no lugar da Devesa do Maio, desta mesma
freguesia, se faz uma feira franca de gado, que durará três ou
quatro horas, pouco mais ou menos.
Por
debaixo do pavimento da dita capela de São Torcato sai uma foz de
água, da qual se forma uma formosa fonte que, tanto de Verão, como
de Inverno, sempre deita. E dizem que esta água tem a virtude
sanativa de algumas enfermidades, como são maleitas e febres, isto
dizem alguns fregueses que o têm experimentado.
Tem esta
freguesia couto, juiz ordinário, procurador e porteiro. O que põe
esta justiça é o Reverendo Cabido da Colegiada de Nossa Senhora da
Oliveira, da vila de Guimarães. Não sei que esta justiça faça
corpo de câmara, por não ter vereadores. Não consta que seja
cabeça de comarca. É honra, pelas muitas graças que lhe têm feito
as Majestades, e privilégios que lhe têm concedido a este couto, um
dos quais é isentar todos os lavradores e filhos de soldados e
muitos mais, que se podem ver nas cartas que tem no seu arquivo o
mesmo Reverendo Cabido. O conservador deste couto é o corregedor da
comarca da vila de Guimarães.
Não
tenho notícia que desta freguesia saíssem homens que florescessem
insignes por virtudes, letras ou armas.
Não tem
correio. Levam-se as cartas a Guimarães, distante desta freguesia
três quartos de légua, na quinta-feira e na segunda mandam-se
tirar.
Dista
esta freguesia da cidade capital do Arcebispado, três léguas e, da
capital de Lisboa, sessenta.
Tem esta
freguesia dois lagares de azeite e cinco moinhos, que só de Inverno
moem, por nesse tempo levar o regato mais águas.
O senhor
donatário do couto é o Reverendo Cabido da vila de Guimarães.
Estas são
as informações que pude alcançar para dar com toda a individuação
à pessoa de Vossa Mercê, que mandará o que for servido.
S.
Torcato, vinte e nove de Abril do ano de mil e setecentos e cinquenta
e oito.
De Vossa
Mercê o mais humilíssimo e atento súbdito,
O vigário
Manuel Ferreira Cardoso.
O abade
de Gominhães, freguesia vizinha e imediata à de S. Torcato, o padre
António Martins Beleza.
O abade
de Gonça, Francisco da Fonseca Araújo, pároco vizinho de S.
Torcato.
“S.
Torcato”, Dicionário
Geográfico de Portugal
(Memórias Paroquiais), Arquivo Nacional-Torre do Tombo,
Vol. 36, n.º 66, p. 581 a 585.
[A
seguir: Rendufe]
1 Anexa.
0 Comentários