O Castelo de Guimarães, fotografado por Frederik W. Flower em 1845 |
A Comissão que que foi criada em 1850 para “reparar, reedificar e
embelezar” o castelo de Guimarães tinha um programa de intervenção ambicioso.
Iria proceder à reparação dos muros do Castelo, em parte em ruínas, dotar o
alcácer de condições que permitissem percorrer o seu interior em condições de “segurança
e suavidade”, fazendo portas, escadas, parapeitos e grades e ligar as suas diferentes
torres (a que chamavam “castelos”) à torre de menagem (o “castelo central”),
que seria repartida por vários pisos, com um terraço no seu topo que, pela altura
a que se erguia, permitia “o melhor golpe de vista”. Sabemos pouco da
intervenção de que o Castelo de Guimarães por obra desta comissão de melhoramentos.
Mas sabemos o suficiente para nos parecer
perfeitamente ajustado o nome pelo qual não tardou a ficar conhecida: Comissão do Mirante.
As notícias que temos sobre do andamento das obras e as reacções que
provocavam foram guardadas pelo inestimável João Lopes de Faria, que as copiou
para as notas que compilou no volume Velharias Vimaranenses. A primeira é uma nota que saiu no
jornal Ecco Popular, que se publicava
no Porto, que João Lopes encontrou republicada a 5 de Setembro de 1850 num
outro periódico, A Nação,
Há
dias demos a notícia da nomeação de uma comissão (pela Câmara) encarregada dos
meios de conservar o Castelo desta vila. Em vez de o conservarem têm-no
metamorfoseado em mirante chinês: as seteiras foram convertidas em amplas
janelas rasgadas; a rampa é uma escadaria moderna e o pano da muralha que unia
o palácio ao Castelo sumiu-se. Os pintadinhos e doiradinhos dão-lhe uma tal
graça que não sabemos porque o pobre do castelo nos dá seus ares de el-Rei D.
Afonso Henriques vestido à janota.
Na opinião do articulista do Ecco Popular, o velho castelo de
Guimarães estava a ser metamorfoseado num mirante chinês, com pintadinhos e
doiradinhos. Um texto publicado no A Nação, em 30 de Setembro, dava conta da
continuação do processo de descaracterização do monumento, e deixa um conselho
sábio: “se não são capazes de compreenderem o que é a reparação de um antigo
monumento, deixem-no como está”:
Consta-nos
que a comissão encarregada da reparação do castelo de Guimarães tem continuado
a exercer uma missão inteiramente contrária ao título da sua criação. Longe de
reparar, destrói; longe de reestabelecer o que o tempo, e algumas vezes a
ignorância, danificou, tem arruinado mais em poucos tempos, do que alguns
séculos o poderiam fazer.
Pedimos a
mais séria atenção do governo para semelhante objecto. Desejávamos ver
desmentidas estas notícias, porque nos dói tanta barbária, onde esperávamos
encontrar gente civilizada.
Inda que o
governo [apure] se é ou não verdade que o palácio do Conde D. Henrique, aquele
primeiro abrigo do fundador da monarquia, vai caindo aos golpes do camartelo.
Esperámos que
não brademos debalde.
Queremos que
se repare o castelo, queremos ver aquele monumento ressuscitado hoje, como era
no primeiro século de sua existência.
Restaurem a
cisterna, restaurem os muros; numa palavra, restaurem o castelo; não façam
mirantes.
Se não são
capazes de compreenderem o que é a reparação de um antigo monumento, deixem-no
como está.
Sabemos que
já alguém chama à comissão de reparadores do castelo — a Comissão do Mirante.
Ao menos
adquirem um nome, que os há-de honrar!
Lembrem-se
que a pedra também fala à posteridade.
Foi caso para dizer-se: com amigos como estes, quem precisa de inimigos?
[Continua]
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