O Conde de Arnoso, de seu nome Bernardo
Pinheiro Correia de Melo, é filho do segundo casamento do 1.º Visconde de
Pindela, João Pinheiro Machado Lobo da Figueira Correia de Melo e Almada. Nasceu
na Casa do proposto, em Guimarães, em 21 de Maio de 1855 e faleceu nq Casa de
Pindela (freguesia da Cruz, Vila Nova de Famalicão), em 21 de Maio de 1911. Seguiu
a carreira militar chegando a oficial general do Estado Maior, da Arma de
Engenharia, posto que ocupava aquando da proclamação da República, em 1910. No
seu tempo, afirmou-se como um literato de méritos reconhecidos. Integrou o grupo
dos Vencidos da Vida, a que pertenceram,
entre outros, Guerra Junqueiro, Oliveira Martins ou Eça de Queirós. Em 1887, integrou,
como secretário a comitiva o senhor conselheiro Tomás Rosa numa missão
diplomática a Pequim. Dessa viagem resultou um livro, Jornadas pelo mundo, que publicou em 1895, de onde foi extraído o
capítulo sobre Macau, que a Sociedade Martins Sarmento publicou em 1995. Entre
a sua obra, constam colaborações com diversas publicações periódicas, como é
exemplo o texto esquecido que segue abaixo, onde traça um retrato poético de um Minho
que, em muitos dos seus traços, hoje apenas sobrevive no imaginário e nas
memórias de quem ainda as guarda. Foi publicado em 1906, na revista Ilustração Portuguesa.
O MINHO
Limitada por dois rios, um ao norte e outro ao sul, pelo Atlântico por um
lado e por outro, cortando o Lima e encostando-se a serras de desigual relevo,
fica a feracíssima província do Minho, ocupando assim um pequeno espaço no
nosso já pequeno Portugal. Pequeno pela extensão territorial, grande pela sua
gloriosíssima história. É como se a natureza quisesse eternamente perpetuar a
memória daqueles que, num tão estreito pedaço de terra, fundaram a
nacionalidade portuguesa, não houve dom que a tão bela província regateasse.
Sempre verde, vestida da cor da esperança, dir-se-ia um ex-voto perenal,
lançado sobre a terra abençoada, predizendo destinos futuros ainda mais
gloriosos. Nem no Inverno, quando o frio é mais intenso, as árvores se despem
de folhas e os cumes das montanhas se coroam de neves, o musgo macio deixa de
vestir a penedia e as fragas, e os prados de se tapetar de erva viçosa, e a
relva, a fresca relva, de amaciar caminhos e atalhos. E quando a Primavera
acorda, as árvores rebentam e os pássaros começam cantando o fecundo hino de amor,
e como se uma chuva de flores caísse do azul do céu matizando campos, montes e
penedos! Até os silvados se mancham de cor-de-rosa e, emaranhados nas madressilvas,
dissimulam os espinhos agudos, que só ferem quando as raparigas lhes roubam as
vermelhas amoras com que tingem ainda mais os beiços sadios. E, como se a
natureza não bastasse, o minhoto apaixonado como ninguém pela terra – a terra mãe,
a quem tudo deve e que tudo lhe dá — aproveita o menor socalco de terreno,
adubando-o com o mato curtido das cortes, regando-o com a água que
laboriosamente vai buscar às minas, deixando em paz a que corre lenta pelas terras
fundas. E, a subir pelas íngremes encostas, arranca à terra, com o copioso suor
do seu rosto, mais pão para o celeiro. Do monte, do alto monte, só não lavra o
que é preciso ao pasto do seu gado e ao chão do seu eido.
Nesta ânsia incessante de cultivar deixa apenas as bouças, onde o tojo,
salpicado de flores de oiro vivo, cresce bravo; os pinhais murmurantes onde as
rolas fugitivas gemem, as pegas esvoaçam palreiras, os gaios fogem pressentidos
soltando sons arrepiantes e os corvos grasnam aflitivamente: as espessas matas
de fortes carvalheiras, e os soutos de castanhais onde na Primavera o sol acende
primeiro as candeias de prata, que depois doura, deixando o verde ouriço
crescer e medrar até cair, dourado também, abrindo os seios às castanhas
maduras. Formosos soutos e matas onde os melros parecem assobiar com mais
frescura, e onde a dobrada cantiga do pisco e da toutinegra se confunde com o
melodioso gorjear dos rouxinóis, felizes nos choupos e salgueiros da beira dos
rios. Abençoado torrão!
Cultivado como um jardim, tratado como um canteiro. Rico de rios, de
riachos e fontes. Fontes, riachos e rios que cantando vão para o mar e a cantar
ensinaram o caminho das nossas descobertas e conquistas.
Lindos vales semeados de campos bordados de árvores a que se entalam as
vides. Macias vertentes por onde os campos sobem, sempre com árvores a que se
enforca a vinha. Sossegados lameiros onde a água ressume e as rãs coaxam.
Pequeninas searas de trigo ou de centeio, ondeando ao vento e onde canta a codorniz.
Mimosos campos de linho, que em estrigas de ouro haveis de ser fiado pelos
caminhos, as rocas enfiadas à cinta das airosas cachopas pensando nos conversados, ou à beira das lareiras,
nas tardes invernosas, enquanto as velhas avós contam aos netos histórias de lobisomens!
Brancas ermidas coroando os montes, ou mais em baixo as torres a espreitar
curiosas por entre o copado arvoredo. Despovoados conventos assinalando uma
desoladora mancha de ruína na fecunda terra que os cerca. Moinhos do alto, já
sem velas, esquecidos de moer! Casas solarengas enfiando os vales, dominando os
pequenos casebres dispersos. Fechadas latadas toldando os caminhos, circundando
as casas. Igrejas das freguesias sempre à sombra das árvores do que foi velho
passal. Casas de brasileiros erguidas nos mesmos lugares de onde os donos
partiram chorosos, humildes e crianças. Aldeias risonhas aninhadas pelos vales.
Garridas vilas de poucos anos alastrando e crescendo à beira das estradas.
Velhas cidades e antigas vilas, testemunhas dos feitos mais heróicos da nossa
primitiva, batalhada história. Mar azul, mar verde, mar de infinitas cambiantes,
só com uma estreita faixa de areias e rochas para beijar e rolar, porque logo
as árvores encontram terra onde enraízam e crescem. Rios límpidos e baixos
atravessando férteis campinas. Lágrimas dos açudes tombando docemente das
altas, vagarosas rodas das azenhas. Rios caudalosos, apertados entre ribas
escarpadas, galgando em torrentes por sobre as rochas convulsas e um instante
adormecidos nos pegos serenos e traiçoeiros. Altas montanhas, nascentes desses
rios, cavadas de fundas ravinas, cobertas de árvores e eriçadas de rocha, que a
espuma das águas, despenhando-se em cataratas, vai pouco a pouco polindo.
Minho! Terra abençoada dos copados carvalhos — símbolo da força — do
esguio louro — emblema da vitória! —Minho alegre das alegres romarias, dos
alegres repiques dos sinos das aldeias, dos alegres descantes das esfolhadas
nas eiras, das sachas nos campos, das vindimas nas árvores! Minho, doce terra
que as mulheres amanham e que as crianças beijam quase ao nascer, caindo nuazinhas
das desconjuntadas canastras onde as embalam. Minho, terra mãe da nossa Pátria,
és como se fosses a querida, a Santa Mãe de todos nós!
Conde de Arnoso.
Ilustração Portuguesa, n.º 44, Lisboa, 24 de Dezembro de 1906
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