No último 24 de Junho foi
apresentada uma tradução do latim da obra Apparatus
Historicus, de 1728, do vimaranense José Pinto Pereira, editada pela Câmara
Municipal de Guimarães, que reúne um conjunto de dez argumentos ou indícios de santidade do rei Afonso, que
pretendiam demonstrar que Afonso Henriques foi suficientemente piedoso e
virtuoso para aspirar à beatificação. Da edição em referência, trataremos a
seguir. Por agora, aqui fica, para enquadramento da questão, o que sobre ela escreveu
o Padre Ferreira Caldas no capítulo dedicado a El-rei D. Afonso Henriques, no seu Guimarães – Apontamentos para a sua História:
Depois da última façanha
alcançada contra o Miramolim de Marrocos sobreveio ao incansável herói uma
prolongada enfermidade, da qual faleceu a 6 de Dezembro de 1185.
O seu corpo foi sepultado no
mosteiro de Santa Cruz de Coimbra em humilde monumento, que el-rei D. Diniz
principiou a ornar, e D. Manuel tornou magnífico, nas paredes da capela-mor do
mesmo mosteiro. Todo o português o chorou, como restaurador da sua liberdade,
fundador da monarquia, pai da pátria, modelo de réis, terror de inimigos,
coluna da Igreja lusitana. Como tal, querem alguns escritores, exaltando a sua
piedade e virtudes, honrá-lo com título de santo, sendo neste sentido tentada
por mais que uma vez a sua beatificação. Destes tentâmens, como pouco conhecidos,
darei breve notícia, extraída dum notável e curiosíssimo trabalho do meu
erudito mestre e indefeso investigador Pereira Caldas:
Em 1556 tratou o prior de Santa
Cruz de Coimbra — com os cónegos do mosteiro — de promover curialmente a
beatificação de D. Afonso Henriques, fazendo as provanças do estilo, com
autorização do bispo-conde D. João Soares e com a protecção del-rei D. João
III. Já não era esta a primeira tentativa, porque nas anteriores, promovidas sem
as provanças do estilo e sem a protecção real, nenhum deferimento se havia
obtido em Roma a tal respeito. Tinham sido sempre os cónegos regrantes de Santa
Cruz de Coimbra, enviando à capital pontifícia alguns religiosos grados, os que
mais dedicadamente se empenharam nestas tentativas. No entanto a mesma
improficiência que malfadara então, veio a malfadar ainda estas tentativas do
século XVI.
O que não deixa de ser singular,
no meio da inacção de Roma, é o alvitre, a este respeito, vulgarizado entre os
monges de S. Jerónimo de Alcobaça e os cónegos de Santo Agostinho de Santa Cruz
de Coimbra. Num mosteiro e noutro girava composta uma comemoração de
bem-aventurado em relação a D. Afonso Henriques — com antífona, verso, responso
e oração — como se a Igreja o houvera catalogado na lista dos santificados.
Em 1728, ano em que o APARATO
HISTÓRICO — livro do padre José Pinto Pereira, sobre a santidade de D. Afonso
Henriques — fora publicado em Roma, sendo então oferecido à santidade do Papa Benedito
XIII e à majestade do nosso rei D. João V, activaram-se de novo os trabalhos
neste sentido. No entanto até hoje nada de definitivo.
Em 1752 tornaram-se a activar
ainda de novo em Roma alguns trabalhos análogos. Lêem-se mencionados na Gazeta
de Lisboa de 1753, nº 1 de 4 de Janeiro, nas seguintes palavras: “Na vila de
Guimarães se ajuntou a Academia Vimaranense no dia 6 de Dezembro, aniversário
do falecimento do venerável e santo rei D. Afonso Henriques, natural da mesma
vila; e aplaudiu com eloquentes discursos, e discretas poesias, a notícia de se
tratar em Roma da sua beatificação”.
Mas, apesar de tão repetidas instâncias, ainda é
lícito duvidarmos da santidade do nosso mais ilustre patrício.
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