Efeméride do dia: O desaparecimento da Capela de S. Tiago

Capela de S. Tiago (desenho de Carlos Van Zeller, 1835).

25 de Junho de 1886
De tarde procedeu-se à medição e vistoria para a demolição, por utilidade pública, da capela de S. Tiago da Praça.
(João Lopes de Faria, Efemérides Vimaranenses, manuscrito da Biblioteca da Sociedade Martins Sarmento, vol. II, p. 298)

Segundo a tradição, a Capela de S. Tiago teria sido, originalmente, um templo pagão dedicado a Ceres, cristianizado pelo santo que daria o nome à praça. Da construção primitiva, quase nada se sabe, a não ser que teria uma torre com dimensões bastantes para a fazerem notada. Em 1593, o Arcebispo D. Frei Agostinho de Jesus, em visitação à paróquia da Senhora da Oliveira, ordenou ao seu administrador, o cónego Mestre-Escola, que mandasse reconstruir a torre da Igreja de S. Tiago, por ter caído, estando o arco da porta a ameaçar ruína. A capela com alpendre que perdurou até ao último quartel do século XIX foi construída por aquela altura. A capela pertencia ao Cabido da Colegiada, sendo administrada pelo Mestre-Escola.
O Eng.º Almeida Ribeiro propôs, no seu projecto de melhoramentos da cidade de Guimarães (1863-1867) o aformoseamento da Praça de S. Tiago. As razões invocadas eram de ordem estética e de higiene pública. O processo tardaria em arrancar.
Em Julho de 1882, a Câmara, por proposta do seu Vice-Presidente José de Castro Sampaio, decidiu expropriar a Capela de S. Tiago, com o propósito de a demolir.
Ainda passariam mais de quatro anos até que, a solicitação da Câmara, o Ministério do Reino fez publicar, no dia 6 de Maio de 1886, uma declaração de utilidade pública urgente a expropriação da capela de S. Tiago “devendo ser convertida em inscrições da junta do crédito público averbadas ao cabido da insigne colegiada do Nossa Senhora da Oliveira da cidade de Guimarães, a quantia em que for liquidada a indemnização respectiva à dita capela”.
A demolição da capela consumar-se-ia em Janeiro de 1887.
Em 1885, quando se andavam a abrir rotas para instalar canos de água na travessa de S. Tiago, foram descobertas ossadas humanas. Ao saber da notícia, o Padre Abílio Passos,  fez publicar uma carta sobre o assunto, no O Comércio de Guimarães (6 de Julho de 1885), na qual, apesar de ver com simpatia a intenção de “(…) proceder a melhoramentos no largo de S. Tiago, porque nisso havia reconhecida vantagem mais crescida ainda da boa higiene, pois todos conhecemos as más condições do local e suas pertenças bem como vemos as ruínas, que ameaçam algumas das construções da travessa do mesmo nome, que são acanhadas e velhas, desmanteladas e sujas”, protestava veementemente contra a demolição de uma “verdadeira página de pedra para a nossa história momentosa, heróica e respeitável”.

Hoje é possível observar-se, no chão da praça, o desenho da planta da antiga Capela de S. Tiago, colocado no local onde antigamente se erguia aquele templo.


Aqui fica, na íntegra, o texto do Padre Abílio de Passos, acima citado:



PRAÇA DE S. TIAGO E AS OSSADAS ALI APAREClDAS
Snr. redactor do Comércio de Guimarães e meu bom amigo.
Amante da terra que me foi berço e e me é pátria, tive muito prazer quando soube que a Ilma. câmara mandara proceder a melhoramentos no largo de S. Tiago, porque nisso havia reconhecida vantagem para Guimarães, por mais um aformoseamento e pela vantagem mais crescida ainda da boa higiene, pois todos conhecemos as más condições do local e suas pertenças bem como vemos as ruínas, que ameaçam algumas das construções da travessa do mesmo nome, que são acanhadas e velhas, desmanteladas e sujas.
Tendo, porém,ouvido dizer que havia intenção de expropriar a capela que ali existe, toda a satisfação foi mudada em verdadeira tristeza, pois desta sorte é demolido um monumento que, afora mesmo os serviços que presta ao culto. tem uma subida importância para a gloriosa história deste torrão, já de si tão notável por outros do género semelhante.
No local, ou em parte, onde assenta esta, agora, capela existiu um templo que foi da Gentilidade... Obra Mosaica, majestosa e antiquíssima dedicada a Ceres, ou, segundo umas émedalhas de que falam alguns escritores, consagrado a Minerva.
O certo é que este templo gentílico foi transformado em Igreja cristã, quando o Apóstolo S. Tiago converteu os habitantes da vila de Araduca,onde expôs ao culto uma imagem de Santa Maria que depois passou para o mosteiro do Mumadona, e onde baptizou o depois Arcebispo de Braga, S. Torcato. O que tudo se colige do que diz Fr. Bernardo de Braga citado pela - Ant. Guimarães.—
Caído em ruínas pelo destruidor camartelo do tempo foi em 1607 reedificado r reduzido segundo se de traduz de dois versículos latinos, que se lêem no alto da porta principal da agora capela, ignorando-se a sua origem primitiva. A — Nova história da militar Ordem de Malta em Portugal — insere um documento do doação feita a 2 do Janeiro do 1159 pelo Conde Dom Henrique e sua esposa D. Teresa “a um tal Alberto Tibao e a seus irmãos e aos mais franceses todos” que tinham acompanhado o conde D. Henrique e ao qual tinham prestado serviços relevantes e que viviam na vila de Guimarães "o campo que temos (diz a doação) na vila de Guimarães entre o nosso palácio real, os claustros da Igreja de Santa Maria e o átrio da mesma e vai direito à rua dos franceses, terminando na mesma”, sendo-lhe concedida a construção duma capela, de que os franceses apresentavam o Prior, sem dependência do Arcebispo de Braga, na qual assistissem aos ofícios divinos e depois de mortos se sepultassem os seus corpos — in qua audiatis divina, et in morte vestra corpora vestra tumulentur.
Esta é a igreja de S. Tiago, explica depois em nota a obra cita, de que existem bastantes prazos, casas e casais com foros sabidos, que recebem os Cónegos Mestre-Escolas da Insigne e real Colegiada e na qual são colados abades simplices, sendo a dita capela pertença exclusiva de particular administração do mesmo Prebendado,
Eis aí bem manifestada, segundo o meu modo de entender, a origem das ossadas que em grande quantidade aparecem na travessa de S. Tiago e que devem ser veneradas e respeitadas como daqueles que ao conde D. Henrique fizeram muito bom serviço segundo as palavras do próprio fundador da nossa Monarquia.
Estes os títulos porque deve conservar-se aquele monumento que já era antigo no começo da nossa existência nacional e que ainda conserva mais ou menos materais da primitiva construção.
Simpática memoria para nós, por estar aliada com os colaboradores da nossa independência, como obreiros da nossa autonomia, com os defensores da nossa pátria dos assaltos dos infiéis e do jugo castelhano.
Verdadeira página de pedra para a nossa história momentosa, heróica e respeitável.
Que a sua conservação e aformoseamento do seu largo ande ao par da conservação do Palácio dos nossos reis, castelo respectivo e da veneranda Igreja do S. Miguel do Castelo e nisso tem Guimarães e os seus representantes dado provas da sua ilustração não desmentida, do seu zelo e estima pela pátria que lhes é mãe e do respeito que devemos aos monumentos de valor histórico, que em todas as nações civilizadas são guardados com o maior escrúpulo e defendidos da destruição do tempo com o maior cuidado.
Não podendo por hoje dispor de mais trabalho para este assunto, que me parece palpitante e digno das atenções dos vimaranenses, rogo a V. não descure dele no seu acreditado periódico por me parecer digno dos cuidados da imprensa ilustrada, zelosa e respeitadora de tudo que comemora lampejos da nossa glória, irradiações do nosso valor, merecimentos de nossos antepassados.
Sou de V. capelão obrig.mo
Julho 2-85.
P.e Abílio de Passos.
O Comércio de Guimarães, 7 de Julho de 1885

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