S. Torcato (imagem obtida aqui) |
Aqui se começa a
contar a vida, a morte e os milagres de S. Torcato, segundo Boaventura
Maciel Aranha, da cidade de Braga.
S. TORCATO FÉLIX, Arcebispo de
Braga, e vinte e sete companheiros: Vicente, Martinho, Romano, Félix, Estêvão, Leocádia, Columba, Sabina, Justina e Cristeta.
De Arcipreste de
Toledo passou para Bispo de Padrão do
Porto e depois para Braga.
1. Nasceu
na Cidade de Toledo de nobilíssima família. Criou-se desde
pequeno na Sé dela. Aplicou-se aos estudos das Divinas e humanas letras, e em
todas se patenteou insigne e singular no exercício das virtudes, às quais se
inclinou de maneira e aproveitou tanto, que, com poucos anos de idade, se fez
benemérito Arcipreste daquela Imperial Cidade,
dignidade donde se tomaram muitos para Arcebispos
dela. Com ela viveu alguns anos, de sorte, que bem mostrava o pouco caso que fazia das dignidades da vida, por se
lembrar de quão prejudiciais são para a consecução de uma venturosa morte. Faleceu o Bispo de Padrão de Galiza, e
tendo o Clero e povo daquele Bispado notícia da sabedoria, prudência e virtude do Arcipreste
de Toledo, o pediram para seu Prelado. Aceitou a Prelazia, e poucos anos a
administrou, por o permutarem para o Porto, por morte do Bispo Froareco. Estando pois governando aquele Bispado com prudência
grande e exemplo singular, foi assistir a um
Concílio, que se celebrou em Toledo, no qual depuseram de Arcebispo daquela Cidade a Sisiberto,
por justíssimas causas, que para isso deu. Os Veneráveis Padres do Concílio tiveram por de melhor acerto o darem por sucessor de Sisiberto a
Félix, Arcebispo de Sevilha, e por sucessor de Félix,a Faustino, Arcebispo de
Braga, e ao nosso Torcato Félix, Bispo do Porto, por sucessor de Faustino,
Arcebispo de Braga, de cujo Arcebispado tomou posse na volta do Concílio, e estando
administrando esta grande Dignidade com a paz, prudência, e inteireza que
devemos presumir de uma virtude heróica, veio aquele calamitoso tempo para o estado
temporal da Espanha, se bem felicíssimo para a Religião Católica.
2. Entraram pois os sequazes do
pestífero Mafamede na Conquista de Espanha com tão grande ódio do nome de Jesus
Cristo, que abrasavam tudo como raio, não perdoando a sagrado, nem a profano.
Soube o nosso santo Prelado que os Capitães Muça e Tarifa vinhão para cá da Vila
de Guimarães em direitura a esta Cidade, e lhes foi sair ao encontro, repreendeu-os
das crueldades, que usavam e os sacrilégios que faziam a Deus, com a liberdade
que se deve presumir em quem, como ele, não fazia caso da vida, pelo muito que
desejava alcançar por aquele meio a morte. Os malévolos Capitães o mandaram
logo prender, e sem mais demora, lhe fizeram voar a alma ao Céu, por meio de
muitos tormentos que nele executarão a 26 de Fevereiro de 719.
(continua)
Boaventura Maciel Aranha, Cuidados da morte e descuidos da vida, Oficina de Francisco Borges de Sousa, Lisboa, 1761, tomo I, pp. 244-246.
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