S. Nicolau |
O pregão de
1898 foi escrito, mais uma vez, por Bráulio Caldas, tendo sido recitado por Álvaro
Machado da Silva Ferreira Oliveira. Trata-se de um exercício satírico escrito
por cima de versos dos Lusíadas, onde estão muito presentes as discussões
daqueles dias, nomeadamente à polémica sobre disputa eleitoral que acabava de
acontecer, onde não faltavam acusações de chapelada.
No dia 27 de
Novembro, o jornal O Progresso publicou o programa das festas daquele ano, que
nos permite conhecer o percurso do cortejo daquele 5 de Dezembro:
Pela uma
hora da tarde sairá o bando, este ano desempenhado pelo impagável, chistoso e
irrequieto académico, o conhecidíssimo e nunca assaz Álvaro Machado da Silva Faria
e Oliveira, o qual, depois do recitado perante o exmo. administrador do
concelho, toma a seguinte ordem: – rua de D. Luís I, Carmo, rua do Conde D. Henrique,
campo do Salvador, Carmo, rua de Santa Maria, largo da Oliveira, ruas da
Rainha, D. João I, Lameiras, Cruz de Pedra, Alegria, Camões, Toural (lado
poente), Paio Galvão, Gil Vicente, Santa Luzia, Santo António, Lamelas, praça de
S. Tiago, rua do Espírito Santo, largo Franco Castelo Branco, rua de Santo
António, Toural (lado nascente), praça de D. Afonso Henriques, rua de S.
Dâmaso, largo dos Trigais e Senhora da Guia.
A edição do dia 14 de Dezembro do Vimaranense, T. H. dava conta de como tinham decorrido naquele ano os festejos dos estudantes a S. Nicolau. Sobre o pregão, escrevia-se:
O bando escolástico, que este ano foi recitado pelo
académico Alfredo de Oliveira, que se mostrou um bom diseur, devido à
sua figura agradável, peito forte e gesto largo, é mais uma cintilação fulgurante
do talento de seu autor o meu amigo e mavioso poeta dr. Bráulio Caldas.
Vigorosamente escrito em soberbos atlexadrinos, o seu autor conglobou bem todos
esses versos duma beleza sui generis, os últimos acontecimentos eleitorais, dando-lhes uma engraçadíssima charge.
Tem versos duma jocosidade inebriante e o nosso bom povo que sabe sublinhar
quando é preciso, ria a bom rir todas as vezes que ouvia recitar:
Valha-nos
Deus! o mundo, em regra, é uma pochada
Fiquem todos a bem e viva a chapelada
BANDO ESCOLÁSTICO
O S. NICOLAU
EM GUIMARÃES
RECITADO EM
5 DE DEZEMBRO DE 1898
POR
Álvaro Machado da Silva Ferreira Oliveira
Sua
majestade el-rei D. Francisco Bandarra, profeta de Trancoso, ressuscitado há
poucos dias das profundas do Averno, a quem foi presente o requerimento do
sucessor de Anti-Kikero Cornelius Nepos Quinctus Horatius Flaccus, natural do
concelho da Lua, distrito de Vénus, ao qual pede se lhe conceda o diploma de
habilitação para o exercício das funções de professor particular de ensino
terciário... Atendendo a que suplicante sucessor de D. Anti-kikero apresenta
certidão de formatura nas faculdades da Cábula, da Turca, Da Brezundela, do
Sopeirame, dos estudos sociais da Cartomância e Prego etc. etc. etc. e…
Atendendo a que o mesmo suplicante possui, alé disso, os demais requisitos
exigidos pelo artigo milhão e tanto do regulamento geral de ensino terciário de
69 das kalendas gregas, para o fim a que se propõe. Houve por bem conceder-lhe
a necessária autorização para ensinar particularmente as disciplinas contidas
no curso do diploma das suas Faculdades ou das conjuntas a esta, ficando
sujeito às obrigações e cominações estabelecidas pelos artigos 200, 500. 800,
1000 e outros do citado regulamento que compreende o ensino de todas as
calinadas possíveis e imagináveis. Pelo que ordena sua majestade D. Francisco
Bandarra a todas as autoridades académicas e bombásticas e mais pessoas a quem
o conhecimento desta Portaria pertencer, que depois de registada nas estações
competentes da academia Vimaranense, a cumpram e guardem como nela se contém. E
para salvaguarda se passou o presente diploma que vai selado com selo das armas
de S. Francisco e da pândega pública.
Pode pois o agraciado Álvaro
Machado da Silva Ferreira Oliveira ensinar aos Vimaranenses académicos e não
académicas, velhos e novos as seguintes máximas que têm graça mas não ofendem.
Fique aí
tudo sério... a rir não estou afeito...
A Justiça, o
Dever, a Cábula, o Direito
Presidem aos
meus actos… Esta é que é a verdade.
Sor
presidente... em orde... e fala a mocidade.
As armas e
os barões estrénuos do Caraças
Que saltaram
no lombo arcaico dos Carcaças
Cantando,
espalharei, em verso galhofeiro
Se tanto me
ajudar o nosso bom pinheiro.
Cessem dos
yankees as glórias retumbantes
Metendo a
fala ao bucho à pátria de Cervantes,
Cesse a
bazófia audaz que o fim do século canta
Que o pinheiro, acolá... mais alto se levanta.
A nau já ia
rota, as velas consertadas,
E Vimarães
na ré com as ventas esmurradas
De tanto
navegar, à toa, nos enredos
Desses
bancos de areia… em frente dos penedos!
Nova
esquadra sulcara os mares revoltosos
Do Vizela!
do Ave! e os lagos temerosos
Do jardim do
Toural e do Campo da Feira!!
Não estou a
mentir! não fora brincadeira.
. . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Depois… junto
a Torcato, onde o mar Selho desce,
Uma nuvem
medonha os astros escurece!
E surge uma
figura... o cabo turbulento.
De disforme
estatura e grande valimento!
E disse: ó
gente ousada, ó feros lucianos
Raspai-vos
deste mar, que eu mando há tantos anos.
. . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Mas
travara-se a luta acesa em Seca e Meca
E até o
Adamastor tremia com fajeca!...
. . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Depois a
mocidade impávida e humilde
Levando à
sua frente o Gama de Tagilde,
Catrapus...
lá venceu com cera e águas bentas
O tenebroso
Caim! o Caim das Tormentas!
. . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Mas a
questão de Hissope ensopa a Oliveira
Para lavar a
casa, agora, na inverneira...
Eu canto o
D. Prior e a espantosa guerra,
Que o Gama
faz tremer e o Vaticano aterra!
Valha-nos
Deus! o mundo, em regra, é uma pochada
Fiquem todos
a bem e viva a chapelada
Em quinze
dias moída a nome, cada vez!
Viva o
brioso 20 e o Snr. Marquês
* * *
Caixeirinhos
da moda... ó formosa milícia
Não vos
chegueis a nós… por causa da polícia,
Às
escondidas vinde... o tanque está enxuto.
Se dais
cobres para a Festa... adeus velho Estatuto.
* * *
Ó
tricaninhas de hoje, amantees do progresso!...
Dai-me o
voto, que é meu...se não… não vos conheço,
Votai na
minha urna…a urna do estudante
Tem mais
votos que el-rei… é forte e é constante;
Mas se
alguma de vós reponta e tem partido
Eu voto num
inteiro, enorme e tão bojudo
Como da nova
fábrica esse grão canudo!
Tricaninhas
de amor... cantai-me no landum –
D. Francisco Bandarra e olaré qui tum!...
Olá Sampaio
amigo, ó pai das nossas festas...
Contra a
nossa eleição também tu jà protestas?!
Sente-se a
tua falta... aqui não apareces?
Estarás na
Oliveira a acolitar às preces?
Por onde
giras tu boémio sem labéu?
Fugiste
desta terra? irias para o céu
Por veres
esta festa, este ano, mais soturna
Sem ter a
tua lista a abrilhantar a urna?
Bem sei,
grande patusco, o giro não foi mau,
Foste à
corte do céu queixar-te a Nicolau.
* * *
Eleitas do
Senhor... damas de Guimarães
Anjos loiros
da infância, esposas, filhas, mães,
O coração da
festa é vosso... a antiguidade
Consagrara
este bando à vossa majestade.
Escravos
somos nós, o mundo assim o quer
Quem manda é
o sexo belo é o reino da mulher!
Dalila
arrebatara as forcas de Sansão
Com um
sorriso meigo e o fel no coração.
Vetúria desarmara
a cólera dum filho
Quando
sitiava Roma à busca de oiro e brilho,
Natércia foi
a estrela e guia de Camões
Fê-lo herói
guerreiro e deu-lhe inspirações!
Beatriz,
dominando o coração de Dante,
Transformara
o inferno em paraíso amante.
Joana d’Arc,
então, salvara a França, entre hinos,
E Carlota
Corday vingara os girondinos,
Heloísa
encantara o sábio Abeillard
Levou-o ao
convento... o amor faz professar…
Os próprios
Napoleões temeram a Stael!
E Fornarina
dera a glória a Rafael.
Aqui em
Guimarães foi grande Micaela.
Nas artes,
na ciência e, na virtude, bela,
Filipa de
Vilhena à pátria deu grandeza.
. . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
E Sorgue acompanhara a imprensa portuguesa.
Viva a vossa
eleição ò belo sexo amado
A urna é o
céu azul, puríssimo, estrelado!
Cada maçã um
voto... os anjos eleitores!
E sempre
vencereis ò rainhas das flores.
Rapazes duma
cana! em sentido... as baquetas…
Apresentar...
assim... as vossas maçanetas
Ao grande
general, a Nicolau que freme,
E vamos para
a guerra... aqui nunca se treme!
Na orquestra
do zabumba um berro rubicundo,
Deitai-lhe
os tampos dentro, arrase-se hoje o mundo!
Bráulio Caldas
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