A propósito do juramento da Constituição por D. João VI

D. João VI e a Constituição de 1822


Em Fevereiro de 1821, D. João VI, ainda no Brasil, prestou juramento à futura Constituição, que estava a ser elaborada pelas Cortes Constituintes. A notícia chegou a Guimarães juntamente com a informação de que o rei se preparava para regressar a Portugal. Estas novidades chegaram a Guimarães no final de Abril, sendo motivo de manifestações de regozijo.  Para assinalar o assentimento do rei às bases da nova Constituição,  o médico-poeta João Evangelista de Morais Sarmento, autor dos mais pregões a S. Nicolau conhecidos, escreveu um poema de congratulação, que foi lido no dia 3 de Maio, e um epinício (poema triunfal), que seria recitado dois dias depois. Aqui fica o primeiro daqueles poemas.


Congratulação

recitada em Guimarães a 3 de Maio de 1821, por ocasião de prestar El-Rei o seu consentimento à Constituição.

O Código imortal, que sobranceiro
Ao vôo excelso de Sólon, Licurgo,
Mais acima que o Sol, que o Éter puro,
No mais alto do Olimpo se aclamara
Do Cérebro de Jove Omnisciente
Sagrada Emanação, nova Progénie
A Minerva segunda, o Esforço extremo
Já tinhas, Portugal, pois que o juraste.
Já rutilando em remontada esfera
Vias o Luso a par dos Deuses quase:
Do teu ameno Céu para mais nunca
Despintado uma vez o Erro, o Crime:
Debaixo de teus pés que Segurança!
Dentro do peito que Grandeza de alma!
Sobre a cabeça que montões de Glória!

E porque então no mar de tantas ditas
Não soltavas ao vento as velas todas?
Porque os olhos erguendo à Obra-prima
Dos Séculos Assombro, à sempre augusta
Pirâmide eternal, que erguera o Douro,
Raiar em torno de seu cume excelso
Consumado prazer não vias sempre!

João Sexto, és bom Pai, mas nós bons Filhos:
Sem ti descai, desfolha a melhor dita:
Trava nos lábios o mais doce néctar,
Enquanto o Régio voto, o Sim Augusto...
Que escuto!... ei-lo já soa, ei-lo troando
Pelos Paços Reais com vivas, vivas.
Das Varandas volvendo sobre a Praça
Do Augusto Sim revérberos sonoros
Quantas delícias, quantas mil venturas
Milhões de ouvidos dum só trago bebem?

Eólo, que nos braços ledo o aceita,
(Jove assim decretara a bem de Lísia)
Eólo aos ventos centuplica as asas;
Dum salto ao Equador, de outro a Ulisseia,
A um tempo os Lusos extasia todos.
Eis tocado o Zénite da glória extrema:
Um ápice não há, que adir se possa:
É connosco o bom Rei, seu Voto é o nosso.
“Liberdade e Razão, Honra e Virtude,
“Da Natureza o jus intacto sempre…”
E que outra ideia a discrição dos Lusos
Do Modelo dos Reis forjar ousava!
Monarcas do Universo! deste lance,
Divino lance de João o Sexto,
Os olhos não tireis, e inveja tende.
Reinar num Povo livre é que é ter Reino
Sobre Escravos reinar é só de Escravos.
Coroa de Leão não cumpre aos Homens.
O estrago de Ásia, o Macedónio Raio
Sobre horror, que bem foi da Natureza,
Foi a vergonha de seu sábio Mestre.
Agora sim, na Eternidade agora,
Portugal venturoso a base assentas:
Poder não há que o teu Poder arroste.
Povo e Rei num só corpo, uma só vida!..
O Mundo em seus Anais jamais encontra
Povo mais forte, nem mais firme Trono.
Que mais desejas, Portugal ditoso!
Nada te resta, Portugal, és tudo.

Poesias de João Evangelista de Morais Sarmento, Coligidas por vários Amigos seus, revistas pelo A. Poucos tempos antes de sua morte , e dadas à luz por alguns de seus admiradores, Porto, 1847, pp. 221-223

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