António José Vilela, Segredos da Maçonaria Portuguesa, ed.A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013 |
Do ponto de vista histórico, confesso que nutro simpatia pela acção da
Maçonaria em defesa dos princípios de invocação iluminista que se tornaram em
divisa da Revolução Francesa (Liberdade, Igualdade, Fraternidade). Teve um
papel muito importante, por exemplo, na defesa da instrução contra o
obscurantismo ou na luta pela abolição da pena de morte. Todavia, tenho
dificuldade em perceber que sentido é que pode fazer, numa sociedade
democrática e aberta, em que cada qual é livre de expressar e de defender o seu
pensamento, a filiação numa organização que, apesar de se apresentar como
discreta, e não como secreta, desenvolve a sua actividade sob o manto nada
diáfano do secretismo. Também me custa a perceber a estranha sacralidade de que
se rodeia e que separa os iniciados dos profanos, ou seja, daqueles que não são
maçons. Tenho conhecido homens que pertencem ou pertenceram à Maçonaria e que
me habituei a respeitar. Todavia, custa-me a perceber qual seja a motivação que,
nos tempos que correm, levará homens livres a tornarem-se seguidores de uma
obediência.
Em tempos recentes, a ideia algo romântica que construí acerca da
Maçonaria, composta por homens íntegros que se devotam à defesa das causas da
liberdade e da democracia, foi-se desvanecendo, por força de polémicas que têm
vindo a lume, envolvendo figuras públicas que, em vez de se afirmarem como
paradigmas dos bons costumes, como manda a cartilha maçónica, se envolvem em
maquinações e negociatas obscuras. Foi por isso que li con curiosidade, assim que foi
publicado, o livro Segredos da Maçonaria
Portuguesa, do jornalista e investigador António José Vilela.
As regras complexas da maçonaria proíbem que se fale de política nas
reuniões que têm lugar nas lojas, e
que são marcadas por uma ritualidade manifestamente teatral. O que não significa que não tratem de questões políticas fora dessas sessões, o que acontece, nomeadamente, nas
refeições que organizam e a que dão o nome de ágapes. A descrição destas reuniões à mesa revela-nos que são
encontros bastante pitorescos e coloridos. Para o perceber, basta atentar na terminologia
empregue pelos maçons nos seus ágapes. Como nos diz António José Varela,
os maçons regam
“... a refeição com "pólvora negra", que
significa vinho tinto em linguagem profana.
Como esta há muitas outras expressões que os maçons usam quando
estão à mesa com a Irmandade. Por exemplo, quando se trata de bebidas, água é "pólvora fraca", a cerveja é "pólvora amarela", o champanhe é "pólvora
explosiva" e o whisky, aguardantes e afins são "pólvora fulminante". O próprio ato de
beber é "disparar" ou "fazer fogo" através de "canhões" (copos ou cálices) que
são "carregados" (cheios) a partir de "barricas" (garrafas).
Os maçons "demolem materiais" (comem) numa "plataforma" (mesa), com "véu ou bandeira grande" (toalha) onde assentam as "telhas" (pratos), os "alfiões ou tridentes" (garfos), as "espadas e alfanges" (facas) e as "trolhas"
(colheres). E não há banquete sem a presença de "estrelas" (luzes), "pedra
bruta" (pão), "areia amarela" (pimenta) e "areia branca" (sal).
No fim, maçon que se preze dá umas baforadas com "pólvora do
Líbano" (tabaco)."
(António José Vilela, Segredos da Maçonaria Portuguesa, p. 140)
Ao ler esta descrição, podemos ser levados a crer que estes encontros têm
um carácter meramente recreativo. Todavia, por ali passa muita da acção
conspirativa que alimenta discussões como as que tratam do número de maçons no Governo da
República ou dos projectos de poder económico como o da famosa Loja Mozart, que envolveu espiões e
interesses empresariais de legitimidade mais do que duvidosa.
Uma das informações mais inquietantes que encontrei neste livro resulta da
leitura das informações que um candidato a maçon deverá verter para a ficha de petição de iniciação nova, do Grande
Oriente Lusitano. Custa a perceber a inclusão de informações que nos pareceriam
exclusivas da confissão auricular do catolicismo (o candidato deverá indicar,
por exemplo, se “praticou actos que, em sua consciência, julgue condenáveis e
de que esteja arrependido”). Como não se percebe qual a finalidade de o
candidato arrolar os seus inimigos (assim como os seus melhores amigos),
indicando os respectivos nomes e moradas. Quem de nós tem a certeza de que o seu nome não está
já inscrito numa qualquer lista dos inimigos de alguém da Maçonaria?
Pág. 2 da ficha de petição de iniciação nova do Grande Oriente Lusitano (clicar na imagem para ler) |
Em Segredos da Maçonaria Portuguesa,
António José Vilela conduz o leitor numa visita através dos labirintos das
organizações maçónicas, revelando os seus rituais complexos, a teia de
interesses que estendem os seus fios à política e à economia e a intensidade da
luta pelo poder que se trava no seu seio. Pelo caminho, ficamos a conhecer os nomes dos oficiais das lojas maçónicas espalhadas por
todo o país, onde Guimarães está representada, a páginas tantas, pela Loja
Lusíadas Renascida.
Este livro constitui um contributo importante para a compreensão do Portugal de hoje. Uma leitura que se recomenda.
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