Mentira n.º 5.1

O Castelo de Guimarães numa fotografia de meados do séc. XIX (c. 1860)

A revista Visão de hoje (18 de Agosto de 2011) publica um artigo interessante com o título “As grandes mentiras da História de Portugal”. Ao lermos a “mentira n.º 5”, ficamos a saber que “os castelos (não) são do tempo dos mouros” -“tinham sido, mas o tempo destruíra-os. Então, o Estado Novo decidiu reerguê-los como achou que ficavam melhor – com muitas ameias bem recortadas”. O primeiro exemplo escolhido para ilustrar esta tese é, ora nem mais, o Castelo de Guimarães. Aqui fica a transcrição do essencial:

Antes da década de 40 do século XX, quem percorresse o País quase não encontraria castelos. Reduzidas as antigas fortalezas medievais a montes de pedras, só a custo custaria divisar aqui ou ali um pedaço de muralha, um vestígio de escadaria ou uma torre arruinada.
Querem ouvir uma história? Se, num belo dia de 1836, um dos vereadores vimaranenses tivesse votado  de forma diferente numa reunião camarária, o Castelo de Guimarães teria sido demolido e a sua pedra utilizada para calcetar as ruas. Foi só por um voto que saiu derrotada a proposta nesse sentido apresentada pela Sociedade Patriótica Vimaranense. Vá lá, compreende-se: estava ainda bem viva a memória de toda a guerra civil entre os liberais de D. Pedro e os miguelistas... mesmo assim, ainda seria demolida a torre de S. Bento, antes de, em 1881, a fortaleza ter sido classificada como «monumento histórico de primeira classe» e, em 1908, ter ascendido à dignidade de «monumento nacional».
(...) Em Guimarães, foi a partir de 1937 que se procedeu a obras de intervenção, surgindo aos olhos de todos um harmoniosos edifício de torres direitas e ameias certinhas rodeado de árvores frondosas e de extensos relvados. É esse o castelo que hoje vemos e que podemos visitar, associando-o a D. Afonso Henriques e apodando-o de «berço da nacionalidade».

Acontece que, ao tentar desmontar uma ideia feita, o autor do texto acaba por nos dar um acumulado de “ideias feitas que não correspondem à verdade”. Vejamos:
1. Quase tudo o que se diz sobre a proposta de 1836 para a demolição do Castelo de Guimarães está longe de corresponder ao que verdadeiramente aconteceu. É verdade que a proposta existiu e é verdade que foi derrotada. Mas tal não aconteceu em reunião camarária, nem foi o voto de um único vereador que impediu a sua aprovação. Em Janeiro de 1836, um dos membros da Sociedade Patriótica Vimaranense, em reunião daquela agremiação, que se substituíra à Câmara no governo da vila na sequência da vitória dos liberais na Guerra Civil, apresentou uma proposta para que se demolisse o Castelo para usar a sua pedra nas calçadas, “por ser uma cadeia bárbara que serviu no tempo da usurpação”. O assunto levantou acesa discussão, mas a proposta acabou rejeitada, com quatro votos a favor e quinze contra. Não foi, assim, pelo voto de “um dos vereadores vimaranenses”, mas por uma diferença esmagadora (quase 80% dos participantes da votação, que não eram vereadores, votaram contra a demolição do Castelo).
2. Não se percebe bem a referência à Torre de S. Bento. Foi demolida, de facto, no século XIX, assim como as restantes torres da cerca de muralhas da vila de Guimarães (das seis que existiam, apenas se salvou, e não toda, a Torre da Alfândega). Mas estas torres não faziam parte do Castelo, nem foram reerguidas pelo Estado Novo.
3. Aquando da intervenção que se iniciou em 1936 (e não em 1937, como se diz no texto da Visão) o Castelo de Guimarães estava muito longe de ser um “monte de pedras”. O arranjo do espaço envolvente, dentro do espírito revivalista do Estado Novo, contribuiu para realçar a monumentalidade do Castelo da Fundação, ao mesmo tempo que lhe retirou boa parte da vida que lhe vinha do bulício das gentes que, durante séculos, povoaram as ruas que foram arrasadas para abrir espaço para o novo parque. Mas não “reergueu” o castelo, limitando-se a uma intervenção de “alindamento” que manteve o essencial da sua estrutura original. Para dissipar dúvidas, basta observar alguma fotografia do Castelo, tirada antes da década de 1930, como aquela que vai acima, que foi tirada por volta de 1860.

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2 Comentários

Luís Lopes disse…
LOL. Esse jornalista fica a dever à inteligência ainda por cima porque o Paço dos Duques que fica ali ao lado é que é uma invenção do Estado Novo, não correspondendo ao que tinha sido.