Elogio de um pequeno diamante


Vista geral de Guimarães no início do século XX
O meu amigo Francisco Brito encontrou num sermão de Frei Rafael de Jesus (natural de Guimarães, chegou a cronista-mor do reino) uma expressão interessante sobre Guimarães (“não é Guimarães a maior povoação da terra; porém, é Guimarães, a melhor povoação do mundo”). O Sermão foi proferido no dia da Senhora da Assunção (15 de Agosto), provavelmente do ano de 1673, na Igreja da Senhora da Oliveira. Era o segundo sermão que proferia nesse dia, no mesmo local (o primeiro, proferiu-o de manhã) e a frase aparece numa altura em que o pregador explicava as razões que levaram a Nossa Senhora a escolher Guimarães para aí deixar a sua Imagem que ficaria conhecida como a Senhora da Oliveira. Aqui fica um naco do sermão de Frei Rafael de Jesus.

Escolheu a Senhora para sua Imagem a melhor parte da terra, a melhor parte do culto; a melhor parte do título e a melhor parte do tempo. A melhor parte da terra, pelo lugar; a melhor parte do culto, pela Imagem; a melhor parte do título, pelo favor; a melhor parte do tempo, pela ocasião. Digo que escolheu a Senhora para colocação desta Sagrada Imagem a melhor parte da terra pelo lugar; porque se a melhor parte do mundo é a Europa; e da Europa, é a melhor parte Espanha; de Espanha, é Portugal a melhor parte; de Portugal, Entre-Douro-e-Minho; e de Entre-Douro-e-Minho Guimarães. As razões de sua bondade, nos explicam as letras de seu nome: São nove, e não são mais as notas da Arismética. O G, a define grande, pelo populoso dos moradores. O V, valorosa, pelos progressos das armas. O I, ilustre, pela nobreza das famílias. O M, majestosa, pela elegância dos edifícios. O A, antiga, pela incerteza da sua fundação. O R, régia, por berço de tiaras e púrpuras. O segundo A, abundante, pela fertilidade dos campos. O E, excelente, pelo claro dos sujeitos. O S, salutífera, pela benignidade do clima. Esgotando-se em seu nome, e em suas prerrogativas todos os números da Arismética; e se nela quisermos passar adiante, a veremos cifra de toda a perfeição da terra, pois o nome a define grande, valorosa, ilustre, majestosa, antiga, régia, abundante, excelente, e salutífera; vindo-lhe, como de molde a singular definição do Sol, que nas letras de ser, traz o claro do seu ser a solo.
Não é Guimarães a maior povoação da terra; porém, é Guimarães a melhor povoação do mundo: o maior, fá-lo a quantidade; e a qualidade, o melhor, e maior grandeza, é a que resulta da virtude, que a que forma o vulto. (…) Como poderá tirar a Guimarães, ser a maior povoação do mundo, quem vir que é a melhor povoação da terra? Não dá estimação às coisas o muito que avultam, senão o muito que valem; e a não ser assim, não se estimara mais um pequeno diamante, que um grande penedo.
Sermoens varios. Do M. R. P. Prègador Géral, & Cronista Mòr do Reyno, Fr. Rafael de Jesus, Religioso do Princepe dos Patriarchas Sam Bento (…) Prègados em a Curia de Braga pelos annos de 1673, 74, e 75. Lisboa, na Officina Crasbeeckiana,1687, pp. 88-90
Nota: Arismética é o mesmo que Aritmética.
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Frei Rafael de Jesus, por Diogo Barbosa Machado, na "Bibliotheca lusitana”:

Fr. RAFAEL DE JESUS, nasceu em a Vila de Guimarães, recebendo na sua antiga Colegiada a graça baptismal a 2 de Maio de 1614. Foram seus Progenitores Simão Fernandes, e Catarina Mendes, que o educaram tão virtuosamente, que deixado o século buscou o Claustro da augusta Religião do Príncipe dos Patriarcas S. Bento vestindo a monástica cógula em o Convento da Vitória da Cidade do Porto a 2 de Maio de 1629, quando contava 15 anos de idade. Aplicado aos estudos severos saiu neles egregiamente instruído, e como o génio o inclinava para o exercício do púlpito o continuou pelo espaço de vinte anos na Corte de Lisboa, e em varias Cidades de Espanha com geral aplauso dos ouvintes, donde procedeu ser nomeado pela Religião Pregador Geral. A capacidade do talento o constituiu digno de ocupar os lugares de Reitor do Colégio da Estrela em 1665, Procurador geral em a Cidade do Porto em 1668. Abade do Convento de S. André de Rendufe em 1673. Procurador geral na Cidade de Braga em 1676, e D. Abade do Convento de Lisboa em 1679. Não se limitou o seu estudo às letras sagradas, mas discorrendo pelo vasto campo da História saiu nela tão instruído, que mereceu ser Cronista-mor do Reino por Alvará passado a 11 de Novembro de 1681. Faleceu no Convento de S. Bento de Lisboa a 23 de Dezembro de 1693, quando contava 79 anos de idade, e 64 de Religioso.

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