As celebrações afonsinas de 1911 (8)





Oitavo Centenário de D. Afonso
Correm com desusado entusiasmo os preparativos para a celebração do oitavo centenário do glorioso fundador da nacionalidade portuguesa, D. Afonso Henriques, inclito filho desta nobre terra.

E já que se trata de festa tão simpática, alguma coisa diremos do que se faz e do que se não fez, certos de que não só nos acompanharão os vimaranenses, mas até os estranhos, porque se é certo que nós nos devemos ufanar por festejar um filho ilustre desta terra, todos os portugueses, ainda os das mais recônditas paragens, devem ter o seu quinhão nela, porque não se festeja um vimaranense só útil aos seus conterrâneos, mas um português que a golpes de montante traçou a independência do Portugal de então, reunindo-lhe sucessivos senhorios conquistados que perfazem hoje a pátria que adoramos.

Causa porém desolação que o patriotismo vimaranense só agora acordasse do letargo em que há tantos anos se achava imerso, mas mais vale tarde do que nunca.

Temos aí dois monumentos de primeira grandeza histórica, completamente abandonados à acção das intempéries, derruídos, desmantelados, e quase irreconhecíveis.

Um é o Castelo de Guimarães, o antiquíssimo Castelo de Mumadona, alcaçar do conde D. Henrique, onde nasceu D. Afonso Henriques, onde tiveram lugar os amores ilícitos de sua mãe D. Teresa com Fernão Peres de Trava, conde de Trastamara e onde naquela célebre noite do incêndio, houve a luta íntima entre D. Afonso Henriques, futuro rei, que queria o seu povo livre e independente e D. Teresa que, dominada pelas insaciáveis ambições do infame castelhano, o queria ver escravo como sempre fora.

Foi ali naquele alcaçar, outrora tão altivo e arrogante, que teve lugar o desafio lançado entre D. Afonso Henriques e o Conde de Trastamara, cujo epílogo leve lugar nos campos de S. Mamede, de que resultou a nossa soberania e a nossa independência.

E no entanto esse soberbo Castelo de tão saudosas e nobilíssimas tradições, lá jaz ao abandono, desconjuntado, cercado de hortas e pomares, escondido entre a folhagem do arvoredo, sem um indício do tratamento, sem um sinal de respeito que merece.

Do alcaçar resta apenas uma parede e do castelo as muralhas e torres que não estão ainda demolidas, decerto porque a sua vestustês impõe respeito ao tempo e receio aos homens, porque respeito nunca estes o tiveram por ele.

Causa dó ver aquela muda testemunha das nossas glórias iniciais assim abandonada e solitária, sem ao menos ter um boa rua que a ela conduza os visitantes que de todos os pontos do país e do estrangeiro vêm ali render-lhe a sua homenagem.

O outro monumento é a Capela de Santa Margarida, onde o bravo guerreiro recebeu as águas do baptismo.

Que de epopeias, que de reminiscências não existem adentro daquelas quatro paredes!

E todavia essa capela lá está, abandonada, sem respeito, sem cuidados, e já estaria hoje completamente destruída sr, há alguns anos, um grupo de patriotas não tomasse sobre si o encargo de a restaurar, aproveitando o pouco que dos primitivos ornamentos já encontraram.
E nós que nos gloriamos de festejar no próximo Agosto o oitavo centenário do famoso conquistador, teremos de curvar a cabeça envergonhados por termos de apresentar aos nossos ilustres visitantes os altivos padrões das nossas glórias completamente arruinados.

Se Afonso Henriques pudesse reviver, como ele destroçaria, com o mesmo glorioso montante com que destroçou os infiéis por aí além, os arvoredos e os casinhotos que escondem o seu querido solar.

Como isto causa pena!

Mas deixemos-nos de lamentações que tristezas não pagam dívidas.

Trabalha-se, como a princípio dissemos, com grande entusiasmo para as festas de Agosto.

A julgar pelos cavalheiros que presidem aos vários trabalhos devem essas festas ser uma coisa assombrosa.

Não podemos ainda elucidar os nossos queridos leitores do que serão essas esplendorosas sestas, porque os programas respectivos ainda, decerto, estão — pecado que esta terra sempre teve — no seio da comissão elaboradora a sofrer os últimos retoques.

Aqui há o péssimo costume de se anunciarem as festas nas vésperas das mesmas de forma que se não faz o reclame preciso para chamar a concorrência.

Um ano houve em que se colocaram os cartazes das festas da cidade muito poucos dias antes...
Este ano, porém, não se dará isso porque o original já está na tipografia.

Vimos fac-simile desse cartaz. É um soberbo trabalho que muito honra o seu autor, o inteligente professor de desenho e digno reitor do nosso liceu, sr. José Pina.

Entre os vários números do programa teremos além da feira de gado Cavalar e bovino, das vistosas iluminações e fogos de artifício, um deslumbrante cortejo cívico em que figurarão vários carros alegóricos e personagens com assuntos de Guimarães antigo e moderno, batalha de flores, que excederá a dos anos anteriores, duas corrida de touros promovidas pela empresa do Campo Pequeno de Lisboa, sendo uma à antiga portuguesa, em que tomarão parte os mais distintos cavaleiros e peões da arte toureiro e muitos outros números completamente novos.

Haverá também simulação de incêndio pela nossa benemérita corporação dos bombeiros voluntários.

Contamos dar no próximo número uma descrição detalhada das festas do centenário do glorioso português que se chamou Afonso Henriques.

*

Vão muito adiantados os trabalhos para a erecção da estátua de D. Afonso que será inaugurada num dos dias das festass, segundo nos dizem, pelo ilustre ministro do interior.

Também vão muito adiantados os trabalhos de aformoseamento do Campo do Toural para onde ela foi transferida que fica um soberbo largo.

Parece que este ano, a julgar pela falta de ensaios não teremos aquele típico rancho de lavradeiras dos anos anteriores.

Bom é que assim seja para não vermos aí as lavradeiras improvisadas , umas com as roupas a pedir-lhes que cresçam depressa para lhes servirem, outras a caírem das saias abaixo, outras de saiotes imitando saias, a cantarem umas canções que não são nossas, que nunca o foram, transportadas das revistas para as gargantas desafinadas das pobres raparigas que as reproduzem sem arte nem gosto a troco de uns míseros vinténs.

Se fosse um rancho das nossas camponesas legítimas, dessas fortes e alegres raparigas que transcendem saúde e frescor e que nos enlevam com seus cantares, harmoniosos e originais, então sim, deleitava.

Mas ir buscar as operárias dos fábricas, mascará-las de lavradeiras e fazê-las entoar mal ou bem, canções revisteiras, é ridículo e impróprio de um homem inteligente.

Parabéns pois à muito ilustre e incansável comissão das festas pela abolição do típico rancho.

Imparcial, 14 de Julho de 1911

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