Uma das discussões que se colocaram em 1911, a propósito do centenário de Afonso Henriques, centrava-se no aparente paradoxo de ser a República, recentemente instalada, a celebrar o fundador da Monarquia que acabava de ser abolida. Um parágrafo de um apelo de um grupo de cidadãos, para que as pessoas respeitem, descobrindo as cabeças quando é executado, o hino nacional (publicado em A Velha Guarda, de 18 de Agosto de 1911) sintetiza o consenso a que se chegou entre os republicanos vimaranenses acerca da figura de D. Afonso Henriques:
"Ser monárquico com Afonso Henriques foi honroso, pois esse rei conquistou um território para o seu povo e nas lutas com os mouros combatia à frente dos seus vassalos."
Festa cívica
Vai enfim celebrar-se o 8.° centenário de D. Afonso Henriques fundador da nacionalidade portuguesa
A Associação Comercial, patriótica e simpática instituição vimaranense que desde muito vem pugnando com amor e devotado entusiasmo pelas coisas da nossa terra, quis ela ser a primeira, propondo-se a tarefa da celebração centenária do maior vimaranense Afonso Henriques, aquele que foi o fundador a nossa nacionalidade, aquele que traçou com a sua espada de conquistador os domínios à terra portuguesa.
Neste intuito de alevantado civismo reuniram, a convite da sua direcção, alguns cavalheiros desta cidade, entre os quais ficou constituída a grande comissão promotora da celebração centenária. Eis os seus nomes: Abel Cardoso, José de Pina, Padre Gaspar Roriz, Bernardino Jordão, A. L. de Carvalho, e pela direcção da Associação Comercial o seu digno presidente Eduardo M. de Almeida.
Trocadas impressões ficou resolvido iniciarem se os trabalhos, julgando-se indispensável a coadjuvação da Câmara, à qual e sobre este assunto havia já oficiado a Associação Comercial. Assim, pois, deliberou se para o outro dia uma reunião conjunta entre a Câmara e a comissão central, a qual se realizou na quarta-feira desta semana. Recebidos pelo seu digno presidente com as maiores deferências, usou da palavra expondo em traços largos todo o plano e intuitos da comemoração centenária o snr. Padre Gaspar da Costa Roriz, tendo, por fim. a seguinte proposta, a qual em nome da comissão que ali estava fizera entrega ao digno presidente da Câmara:
Propomos:
1.º que se realize neste ano a festa comemorativa do 8.° centenário do nascimento de D. Afonso Henriques, o glorioso fundador da nacionalidade portuguesa;
2.º que se peça ao Governo da República que seja considerado de festa nacional o primeiro domingo de Agosto de 1911, dia em que Guimarães comemora o nascimento do primeiro vimaranense e primeiro português;
3.º que se peça ao Governo da República a cunhagem de moedas e emissão de estampilhas comemorativos deste centenário, devendo o produto, salvos os direitos do Estado, reverter para as obras a realizar em volta do Castelo de Guimarães, monumento nacional de primeira classe;
4.º que se realize a inauguração solene da estátua de D. Afonso Henriques no sitio para onde deve ser transferida, pedindo-se ao ex.mo Presidente do Governo ou ao ex.mo Ministro do Interior que venha proceder pessoalmente a essa inauguração.
Guimarães, 8 de Março de 1911.
A Comissão.
Também usando da palavra fizera algumas considerações o membro da comissão A. L. de Carvalho, as quais bordaram este questionário:
— Deve a Câmara tomar parte na comemoração centenária de Afonso Henriques?
— É Afonso Henriques uma glória nacional que mereça essa celebração?
— Impede o facto de Afonso Henriques ter sido rei, e rei 1.º da Monarquia, que os cidadãos e as colectividades da República lhe celebrem e glorifiquem a memória?
Desenvolve estes pontos e concorda que o 8.° centenário do fundador da nacionalidade deve ser de festa oficial e com cunho nacional.
O ilustre presidente do município diz com o pleno assentimento dos seus colegas da vereação que está de alma com a ideia da comissão delegada da Associação Comercial, podendo esta contar com a coadjuvação da Câmara. Outros vereadores trocaram ainda impressões a propósito da celebração, sendo também convidado a manifestar a sua opinião o cidadão administrador do concelho Dr. Eduardo de Almeida, reconhecendo com os demais a evidente obrigação de não deixar no olvido a passagem faustosa do 8.° centenário do grande português.
A comissão retirou assim satisfeita do seu primeiro passo, pois que, pode contar, estar certa, com a cooperação e valimento da Câmara, a qual impretará do governo provisório da República os seus aplausos e incitamentos para que a festa da cidade seja ao mesmo tempo a apoteose duma manifestação cívica grandiosa e eloquente.
Alvorada, 11 de Março de 1911
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