Guimarães em 1867



Ilustração da Revista O Panorama

É muito notável o entusiasmo, com que o autor do Tratado Elementar de Geographia, D. José de Urculu, começa a falar do Guimarães. — Vila linda, diz ele, vila linda e industriosa, no meio duma campina tão agradável como fértil entre os rios Ave e Vizela, cercada duma muralha de 3.685 passos geométricos de circunferência, fortificada com 7 torres...... Guimarães foi a primeira capital da monarquia portuguesa; aqui nasceu D. Afonso Henriques; tem muita nobreza antiga; é pátria igualmente de muitos ilustres varões. —

Cumpre distinguir a Guimarães antiga da Guimarães moderna. — Segundo vemos pela noticiosa Corographia Portugueza do Padre António Carvalho da Costa, o assento da primeira foi entre os dois rios, já indicados, ao pé do monte Latito, dividido depois em dois nomes — o de Santa Maria, e Monte Largo, entre o norte e o nascente. — No cume desse lugar altíssimo mandou a condessa Mumadona edificar um castelo, e dentro dele uma torre, toda fechada, que muito de longe se avista. A entrada dessa torre, à mão esquerda, estavam esculpidas em uma pedra as letras seguintes: Via maris, de que alguns autores tomaram o nome alatinado de Vimaranes, facilmente convertido no de Guimarães. Outros, porém, inclinam-se a crer que algum senhor Godo possuiria a terra, e que tendo o nome de Vimareno, este fosse posto á mesma terra.

Dentro daquele castelo se encontram vestígios dos paços do conde D. Henrique, assim como permanece o paço do primeiro duque de Bragança, D. Afonso, — a majestade arquitectónica do qual paço o Padre António Carvalho encarece com hiperbólicos termos.

Sabido é que o conde D. Henrique estabeleceu em Guimarães a sua corte; bem como é também sabido que nos Paços Reais da velha Guimarães nasceu D. Afonso Henriques, o fundador da monarquia portuguesa.

Guimarães, a povoação nobre, foi sempre honrada pelos soberanos de Portugal. El-rei D. Dinis começou a cercá-la de fortes muros; seu filho, D. Afonso IV completou a fortificação; e D. João I, de boa memória, acrescentou as torres, que melhoraram ainda mais os meios de defesa.

Voltando ao castelo, empregaremos as próprias expressões do mencionado Padre António Carvalho, que apresentara a medição exacta de sua área, e imaginosamente pintam a perspectiva que aquele ponto oferece: — Tem este castelo de terreno, dentro da sua muralha, de nascente a poente sessenta e nove passos, e de norte a sul trinta e seis, e no meio dele lhe está servindo de penacho a torre velha, que se a domina com a sua altura, elas com a valentia, e fortaleza da sua nova muralha a desassustam do risco das baterias, por ser a sua arquitectura mais forte. —

Com uma certa melancolia se nos apresentam à memória as notícias dos tempos que já lá vão. Assim, e debaixo deste aspecto, acolhemos de bom grado estas palavras históricas: — Enquanto este castelo foi assistido de seus primeiros Reis, eles mesmos eram os seus alcaides-mores: ao depois seus sucessores o entregavam por homenagem, e punham nele Alcaides para a sua defensa, que muitos anos o habitaram, fazendo sua morada no Palácio Real, que depois com a sua ausência chegou a ver mui breve sua ruína. -

Falando-se de Guimarães, é dever de justiça recordar as honrosas expressões da Carta de 22
de Junho de 1853, pela qual foi aquela vila elevada à categoria de cidade, com a denominação de Cidade de Guimarães, — e são as seguintes: — Atendendo a haver ela sido o berço da Monarquia, e assento da primeira Corte dos Reis portugueses, onde nasceu e foi baptizado o poderoso D. Afonso Henriques; atendendo a que a mesma vila desfruta a primazia de ser uma das mais populosas da província do Minho, e a mais florescente cm diversos ramos de industria, à qual são devidas a sua opulência e prosperidade, e as suas relações comerciais dentro e fora do país: atendendo a que a famosa vila de Guimarães sempre foi honrada por meus augustos predecessores com especiais privilégios, possuindo condições e elementos necessários para sustentar a dignidade e categoria de cidade; etc.— A rainha, a senhora D. Maria II, de quem é esta Carta, aludia também ao que presenciara em Guimarães, por ocasião da sua visita à província do Norte.



in O Panorama, 2.º ano da 5.ª séria, 1867, pp. 209-210.

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