Entre Viriato e Afonso Henriques, por Martins Sarmento

Francisco Martins Sarmento

Na grande luta de Viriato contra os Romanos, parte das povoações da Lusitânia dividia-se em dois partidos, o dos patriotas e o dos egoístas, que viam no protectorado estrangeiro o começo duma época, em que podiam explorar sossegadamente o veio dos seus interesses particulares.

O partido dos egoístas achou quem lhe apressasse a vitória com um feito, digno de tais sequazes. O famoso caudilho, que havia sido o terror das águias romanas, foi degolado, quando dormia, pelos camaradas em quem mais confiava e que levaram a sua cabeça ao inimigo, contando que lhes fosse paga por bom preço.

O “finis Lusitaniae” foi escrito com o sangue daquele mártir e por mais de 13 séculos tornámo-nos um povo de escravos, passando dum senhor a outro.

Com Afonso Henriques, recuperámos os foros de nação livre; mas hoje que festejamos o nascimento do herói, que nos abriu esta era nova, não falta quem pense que, do mesmo modo que na solenização de outros centenários, ao que se mira é a dissipar as apreensões que desperta a aproximação de um segundo “finis Lusitaniae”, porque o nosso egoísmo é enorme e insistente, o patriotismo pouco e intermitente. E, desta vez, a morte seria ignominiosa, por ficar demonstrado que tal é a nossa inferioridade moral e intelectual, que não nos permite ser um povo livre.


Francisco Martins Sarmento, in "A Aphoteose", jornal comemorativo do septi-centenário e inauguração da estátua de D. Afonso henriques, Guimarães, 1887

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