Proposta de desanexação de Guimarães do Distrito de Braga

João Franco Castelo Branco, em 1886.

Aquando do conflito brácaro-vimaranense de 1885-1886, em Guimarães defendeu-se a desanexação do concelho do distrito de Braga e a sua integração no distrito do Porto. Esta ideia tomou a força de proposta de lei, que foi apresentada pelo deputado do círculo de Guimarães, João Franco Castelo Branco, em sessão da Câmara dos Deputados de 15 de Janeiro de 1886. Aqui se transcreve o teor do projecto de lei, assim como o discurso de apresentação então proferido por João Franco, cuja transcrição se encontra no “Diário da Câmara dos Senhores Deputados da Nação Portuguesa”, sessão de 15 de Janeiro de 1886:

Senhores. - A rivalidade tradicional e existente entre os concelhos de Braga e de Guimarães é um facto geralmente sabido por todos ou quase todos os membros desta câmara.

Essa rivalidade agravou-se, chegando ao seu maior grau de intensidade, com os acontecimentos ocorridos na cidade de Braga, no dia 28 de Novembro último, que não é preciso relatar, por sobejamente conhecidos e geralmente lamentados.

Urge, pois, a adopção do uma mediar, que, pondo fim ao mal-estar recíproco dos dois concelhos rivais, favoreça a indispensável harmonia entre os mesmos concelhos e os seus respectivos distritos.

A desanexação do concelho de Guimarães do distrito administrativo de Braga, para de futuro ficar pertencendo ao do Porto, parece-me ser a única aconselhada como satisfazendo plenamente àquele intuito.

É por um conjunto de circunstâncias bem apreciado e conhecido era todo o norte do país, se com o decorrer do tempo hão crescido sensivelmente as incompatibilidades do concelho de Guimarães com a capital do seu distrito, para uma vida administrativa em comum, pelo contrário as suas relações com o distrito, e muito especialmente com a cidade do Porto, têm aumentado dia a dia em intensidade e mútua simpatia.

Ao passo que as antigas mas nunca esquecidas questões da directriz do caminho de ferro do Minho, do prolongamento do caminho de ferro da Povoa, cavavam fundo na estima recíproca das duas cidades minhotas, por um antagonismo de interesses sempre crescente, a abertura do caminho de ferro de Bougado, pondo em comunicação directa e rápida Guimarães com o Porto, e o desenvolvimento das relações comerciais entre as duas cidades, de certo as mais industriais de todo o norte, fizeram brotar espontaneamente, e de há muito, o desejo de apertar cada vez mais os estreitos laços que já as prendiam.

Por isso nos comícios que em Guimarães se realizaram, logo depois do dia 28 de Novembro, o pedido da anexação ao distrito do Porto expluiu, não como um desforço sentimental e apaixonado, mas como a afirmação de um facto há muito latente no espírito público.

Há mais de um ano que a Revista de Guimarães, publicação da benemérita e ilustre sociedade Martins Sarmento se fez eco do desgosto geral, e num artigo de critica acerca da economia distrital em relação ao concelho de Guimarães terminava com esta acerba ironia: Por este preço pagamos nós a honra de pertencer ao distrito de Braga.

Existirão, porém, alguns factos de ordem material ou de interesse geral que se oponham à fervorosa pretensão que este projecto de lei procura satisfazer? Absolutamente nenhum.

O concelho de Guimarães é limítrofe numa grande extensão do Porto, pelos concelhos de Santo Tirso, Lousada e Felgueiras.

Tem hoje ligação directa e fácil por quatro comboios diários com a cidade do Porto.

É pela barra do Porto que entram e saem as matérias-primas e os produtos da sua indústria.

E com o Porto que se prende quase inteiramente o viver económico de terra tão largamente trabalhadora.

Portanto, nenhum obstáculo material e tantas razões de ordem superior demonstram a sensatez do pedido.

Por outro lado a existência do distrito de Braga como circunscrição administrativa não periga de forma alguma com a desanexação de Guimarães.

Braga é hoje o quarto distrito do reino, quanto a população e riqueza.

Com a aprovação deste projecto de lei descerá apenas um grau, ficando ainda o quinto com relação aos mesmos pontos, e portanto em condições de vida bem mais desapontada e próspera do que os dezasseis restantes distritos do reino.

Senhores! A aprovação deste projecto de lei será finalmente mais uma consagração dos princípios liberais.

Uma representação contendo mais de quatro mil assinaturas, quase tudo o que de população masculina e maior no concelho saberá ler e escrever, acaba de ser entregue ao poder executivo.

Representações de todas as corporações administrativas, e das diversas associações do concelho virão em breve ao parlamento.

E ninguém ousará pôr em duvida que as manifestações da vontade dos cidadãos, quando livres e espontâneas, conformes aos princípios, e sem ofensa dos interesses gerais da nação, constituem o melhor critério para avaliar dos seus direitos e decidir dos seus interesses.

Em face, pois, de uma tão eloquente unanimidade de sentir e querer, o espírito liberal desta câmara, a mais genuína representação da vontade popular, há-de por certo acolher benevolamente e conceder a sua aprovação ao seguinte projecto de lei, que tenho a honra de submeter à sua sabedoria:


Projecto de Lei


Artigo 1.° O concelho de Guimarães é desanexado do distrito administrativo de Braga, e fica pertencendo ao do Porto para todos os efeitos administrativos e políticos.

§ único. As juntas gerais dos distritos do Porto e de Braga serão convocadas extraordinariamente logo que este projecto seja lei do país, a fim de procederem a uma nova distribuição dos procuradores às juntas pelos respectivos concelhos, tendo em atenção a remodelação operada por este artigo 1.°

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrário.

Sala das sessões da câmara dos deputados, 13 de Janeiro de 1886. = O deputado pelo círculo de Guimarães, João Ferreira Franco Pinto de Castelo Branco.

Leu-se na mesa e foi admitido e enviado à comissão de administração.

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