“Apesar de ser ainda bastante cedo e de a estação já ir adiantada, fazia tanto calor que o jumento resfolegava e tropeçava nas pedras do caminho em mau estado. O capuchinho transpirava abundantemente sob o hábito de burel. Por que razão havia de ter ouvido a missa na capela privativa da quinta? O seu jovem discípulo queria, porém, nesse dia de Todos-os-Santos, honrar a memória do seu protector e padrinho e decidiu ir rezar no mui sagrado santuário de Nossa Senhora da Oliveira. Também ele cavalgava a montada, silencioso e abatido pelo insólito calor. Não chovera durante todo o Verão; não havia uma sombra no caminho, um rebento verde nos campos pelados. A luz era a tal ponto transparente que se viam os campanários de Guimarães destacando-se no horizonte com uma nitidez de ponta seca.
De repente, um rumor surdo. Dir-se-ia uma tempestade: mas o céu não tinha uma só nuvem. Ou uma carroça carregada: mas o caminho estava deserto. O capuchinho persignou-se. Não se tratava de uma vertigem devida ao jejum. Viu oscilar, ao longe, o campanário de Santa Eulália. Do ribeiro próximo subiu bruscamente um cheiro tão forte a enxofre e salitre que o frade teve de tapar o nariz. O cavalo do jovem fidalgo empinou-se. O ar, imóvel e pesado, estava irrespirável. Inquieto, o cavaleiro desmontou e, debaixo da bota, sentiu a terra tremer.”
CHANTAL, Suzanne – A vida quotidiana em Portugal ao tempo do terramoto. Lisboa: Edições Livros do Brasil, p. 11-12.
Num pequeno folheto manuscrito de curiosidades de um frade da Costa, que pertenceu ao seu mosteiro, lê-se, segundo a transcrição de João Lopes de Faria nas suas Efemérides Vimaranenses:
“Memorável será para todos os séculos o dia de todos os Santos do ano de 1755 pelo terramoto com que o céu atemorizou a todo Portugal, e grande perda de vidas, e fazenda, que houve em Lisboa, e suas vizinhanças. Por todo o ano adiante continuaram, ainda que não com a violência e estrago do primeiro. Em todo o Reino se fizeram procissões de penitência. Em Guimarães saiu o Cabido descalço. Os estudantes saíram também com a imagem de N. Pe. (S. Jerónimo penitente) que nos vieram pedir para isso, que alguns Monges acompanharam e pregaram, em S. Dâmaso, donde saiu a procissão, à porta da Colegiada, no terreiro de Santa Clara, no do Carmo, no da Misericórdia, no Toural, no das Dominicas, e outra vez no Toural, para a parte de S. Dâmaso, aonde se recolheu a procissão.”
1 Comentários
Porque não publicas, também, estes interessantes textos n' O PG?
Quinzenalmente, por exemplo.
Abraço