O correio de hoje trouxe-me uma
mensagem do meu bom amigo Rui Vítor Costa que tinha andado desencaminhada e que
vinha com uma página do saudoso O Povo de Guimarães, cuja leitura me obriga a
rever a primazia da minha afirmação de que a primeira direcção do Vitória Sport Clube não
seria aquela que acreditávamos ter sido, mas uma outra que a antecedeu, o que conduziria
à necessidade de rever a cronologia dos presidentes: António Macedo Guimarães não seria o primeiro, mas o segundo, porque, antes dele, teria havido um jovem
chamado Mariano Fernandes da Rocha Felgueiras. O tê-lo dito valeu-me uma entrada fora de tempo,
que bateu
ao lado, mais um par
de caneladas, que acertaram
na atmosfera. Tudo isso e mais um par de botas, que é como quem diz, um par
de textos de Raul Rocha a tentar ensinar-me o ofício de historiador.
O recorte de jornal que agora
leio demonstra que aquilo que eu julgava ser novidade, e por isso como tal a
apresentei, afinal já alguém o dissera antes de mim, como se verifica por este excerto:
Daqui se conclui que o primeiro presidente do Vitória não terá sido António Macedo Guimarães, dono da Chapelaria Macedo, onde faziam tertúlia os sportmen vimaranenses daqueles tempos. Mariano Fernandes da Rocha Felgueiras era filho do Dr. Mariano da Rocha Felgueiras, que foi o mais destacado político local durante a chamada 1.ª República, isto é, desde 1910 até ao 28 de Maio de 1926, ocupando a presidência da Câmara Municipal por diversas vezes. Sabemos que emigrou, para o Brasil, mais ou menos na época próxima da fundação do Vitória, não havendo notícia de volta à terra natal outra vez.
Este facto deve ser anotado na historiografia vitoriana, pois ninguém a tanto fez referência, que saibamos, até agora.
O autor do que acima se transcreve
tem absoluta razão: disse o que ninguém antes tinha dito. Não me custa reconhecê-lo, bem pelo contrário — faço-o com
redobrado prazer: cabe-lhe por inteiro o crédito, e não a mim, de ter sido o
primeiro afirmar que o primeiro presidente do Vitória foi Mariano Felgueiras,
filho. Falo de um jornalista vimaranense de velha escola, com quem muito aprendi
e que muito admiro e respeito: Hélder Rocha, aliás Hélder Raul de Lemos Rocha.
O que, assim dito, se não contradiz o adágio que garante que quem sai aos seus não degenera, demonstra que nem todos saem
aos seus.
Aqui fica o texto que Hélder Rocha publicou há 25 anos, quando o Vitória se preparava para comemorar os seus 75 anos. Vale a pena ler.
Como começou o Vitória
Na próxima segunda-feira, dia 23
de Junho, iniciam-se as comemorações das Bodas de Diamante do Vitória Sport
Clube. São 75 anos de vida de uma instituição que muito prestigia o concelho de
Guimarães. Com projecção equiparada teremos a Santa Casa da Misericórdia, os
Bombeiros Voluntários e a Sociedade Martins Sarmento, estas sendo contudo de
índole diversa, não provocam a aglutinação popular que envolve a primeira
colectividade desportiva vimaranense. Respeitando, obviamente, as referidas ou
mais alguma que à memória nos escape, é de reconhecer que estamos no instante
vitoriano próprio para lhe enaltecer o passado, admirar o presente e
desejar-lhe um futuro cada vez mais auspicioso.
Rememorar-lhe o passado, contudo,
não parece ser tarefa fácil, já que permitiram destruir-lhe os arquivos mais
remotos. Temos de recorrer, então, a outras fontes para lembrar os tempos da
sua fundação. É de começar por dizer que, quando tanto ocorreu, a prática do
futebol já existia há mais de uma dezena de anos em Guimarães. Tinha sido
trazida para cá pelos súbditos ingleses que trataram da rede da luz eléctrica
citadina ou compatriotas seus que vieram montar os primeiros teares mecânicos
da nossa indústria têxtil. Conta isto muito bem, Santos Simões, num seu trabalho
intitulado “Futebol Vimaranense: das origens aos estádios”, publicado em 1995.
Nascemos em 1916, tínhamos, assim
6 anos de idade quando o Vitória foi fundado em 1922. Um nosso familiar fazia
parte daqueles que ajudaram a criá-lo. Enquanto íamos crescendo, o clube foi
crescendo também. Temos boa memória visual de o ver actuar, nos tempos das “balizas
às costas”, como se costuma dizer, no terreiro da Atouguia, quando soletramos
as primeiras letras.
Foi com este conhecimento que
escrevemos sobre os primórdios do Vitória quando a sua equipa principal fez, em
1959, uma digressão por Angola e Moçambique, num opúsculo, então publicado:
“O início da
vida do Vitória perde-se nas brumas do tempo.
Aliás isso
acontece certamente com todas as colectividades suas congéneres. Diz-se que a
ideia da fundação do Clube resultou duma conversa pacata, havida entre moços de
então, debaixo duma copada árvore no velho Largo de S. Francisco, que
acalentavam a doce ideia da prática do jogo da bola na nossa Terra. Diz-se, mas
nada se conhece de concreto sobre o assunto. Pode-se, entretanto, afirmar, já
com mais certeza, que o Vitória concretizou a sua existência na tertúlia da
“Chapelaria Macedo” (as duas últimas portas do Café Milenário confinantes com a
torre da Alfândega), ponto de reunião dum grupo de entusiastas do desporto que
a frequentava e onde predominavam alguns oficiais do Regimento então
aquartelado em Guimarães.
O Estatuto do
Clube diz-nos, porém, que a colectividade teve a sua fundação em 1922 e esta
data, certamente, é aquele em que a oficializou a sua organização para a
prática do desporto. Porém, antes já certamente o futebol era jogado em
Guimarães, em terreiros precários, com balizas improvisadas e com os jogadores
equipados dentro do chiquismo da época.
Partamos,
portanto, do princípio que o Vitória teve a sua origem na “Chapelaria Macedo” e
foi fundado por uma comissão constituída por António Macedo Guimarães,
proprietário do estabelecimento, Domingos André Magalhães, Emílio Pereira de
Macedo, Afonso de Macedo Dória, Avelino Dantas, Luís Filipe Coelho e Luís
Gonzaga Leite, conforme quadro de honra existente na sede do Clube.
Com estes
colaboraram, entre outros, o Tenente Gervásio de Carvalho, o Alferes José
Campos, os irmãos Mendes, o José Silva, o António Jordão, o Augusto Pereira
Mendes, o Mário Ferreira, o Domingos Nobre, tantos e tantos, cujos nomes, em
rosário, mereciam ser lembrados, mas o escasso espaço não o permite.”
Mais tarde, em 1964, Almeida
Ferreira acrescentou no “Notícias de Guimarães”, mais este texto sobre a
criação do clube:
“Estava
lançado o germe da prática do futebol que nunca mais se deixou de jogar, nem de
criar novos adeptos e aficionados, até que, com o decorrer dos anos e a
deserção dos pioneiros, uns pela idade, outros pela posição e extintos os
clubes nomeados, a mocidade que lhes seguiu, apaixonada pelo mesmo jogo,
sentia, porém, a falta de um clube devidamente organizado e a ideia da sua
criação foi ganhando vulto entre aqueles cujos nomes nos vão surgindo, na
certeza de que alguns nos escapam, aliás sem intenção, dada a distância do
tempo e os recessos da memória não os acusar a todos, como: os irmãos Assunção
Pires, António Vaz da Costa, Luís Gonzaga Leite, Mário Ferreira, que foi o
primeiro guarda-redes do Vitória; o autor desta crónica, Afonso Pires, Augusto
Cunha, o célebre Cantineiro Barsak, Augusto Pereira Mendes, Alípio Pereira,
Belmiro Jordão, Alberto Abreu. Domingos Nobre, Jaime Fernandes e quantos outros
que continuaram a manter vivo e aceso o facho do interesse pela modalidade, até
que António Macedo — o Macedo Chapeleiro, seu irmão, Luís Gonzaga Leite e
outros fundaram um Clube que só veio a ser uma realidade positiva, quando em 20
ou 21 vieram para esta Cidade os Alferes Gervásio Martins Campos de Carvalho — recentemente
falecido no posto de Brigadeiro — e seu primo José Vieira Campos de Carvalho,
naturais de Fafe e ambos jogadores de futebol, o primeiro como guarda-redes,
substituindo Mário Ferreira, quando a turma visitante era robusta, em virtude
de que, sendo nesse tempo permitida a carga rude e se o guarda-redes não fosse
forte, era certo aparecer no fundos das redes agarrado à bola, tendo por cima
um monte de jogadores; o segundo como “central-half”. senhor de um pontapé de
respeito e lutador, era a alma do grupo e foi o seu primeiro capitão.
A estes dois
oficiais se deve a fundação do Clube devida mente organizado. (...)
As reuniões
preparatórias do Clube tiveram lugar no salão-teatro da Associação da Juventude
Católica, à Rua D. João I, então instalada no palacete brasonado que ali
existe.”
Estas duas memórias não se
contradizem, quanto muito completam-se. Podíamos ficar, portanto, por aqui. Mas
algo mais chegou, mais tarde, ao nosso conhecimento, através dos trabalhos que
Rui Manuel Dias de Magalhães tem vindo a compilar e publicado sob o título “O
Passado e o Desporto”. Reproduz neles, fotocopiado, tudo quanto encontra
escrito na imprensa sobre actividades desportivas vimaranenses. Labor
exaustivo, sem dúvida alguma, com a particularidade de quase nada comentar. Os
outros que os lerem, se quiserem, que tirem as suas conclusões.
É isso que vamos fazer, já que no
I volume (já publicou dois) saído em 1993, referente aos anos 1901 a 1934,
dá-nos, transcrito do semanário “Voz de Guimarães” com a data de 1/2/1923, a
seguinte constituição dos corpos gerentes do Vitória:
“Presidente —
José Ribeiro Jorge; 1.º Secretário — Luiz Gonzaga Leite; 2.º Secretário — Arlindo
Leite Ribeiro.
Direcção:
Presidente — Mariano Fernandes da Rocha Felgueiras; 1.º Secretário — Avelino
Augusto de Araújo Dantas; Tesoureiro — António Antunes de Castro Júnior; Vogais
— Joaquim António Antunes de Castro e Afonso Pires.
Conselho
Fiscal: Emílio de Macedo, Luís Rodrigo Graça, José de Freitas Neves, Capitão
Geral Avelino Augusto de Araújo Dantas.”
Só mais tarde, o semanário “A
Razão” datado de 23 de Dezembro do mesmo ano, refere outros corpos gerentes do
clube eleitos em 9 de Dezembro, com a composição seguinte:
“Assembleia
Geral: Presidente — Alberto Sousa Pinto, Vice-Presidente — Avelino Ferreira
Meireles; 1.° Secretário — Afonso Lewes de Macedo Dória; 2.º Secretário — João
de Freitas.
Direcção: Presidente
— António Macedo Guimarães; Vice-Presidente — Emílio Pereira de Macedo; 1.º
Secretário — Luís Gonzaga Leite;2.º Secretário — Luís Filipe Gonçalves Coelho;
Tesoureiro — Domingos André de Magalhães; Vogais — Heitor Godofredo R. de
Almeida e Eduardo Pereira dos Santos.
Conselho
Fiscal: Alfredo Álvaro Ferreira de Brito, Alberto Ribeiro Pinheiro e António
Lage Jordão.”
Daqui se conclui que o primeiro
presidente do Vitória não terá sido António Macedo Guimarães, dono da
Chapelaria Macedo, onde faziam tertúlia os sportmen vimaranenses
daqueles tempos. Mariano Fernandes da Rocha Felgueiras era filho do Dr. Mariano
da Rocha Felgueiras, que foi o mais destacado político local durante a chamada
1.ª República, isto é, desde 1910 até ao 28 de Maio de 1926, ocupando a
presidência da Câmara Municipal por diversas vezes. Sabemos que emigrou, para o
Brasil, mais ou menos na época próxima da fundação do Vitória, não havendo
notícia de volta à terra natal outra vez.
Este facto deve ser anotado na historiografia
vitoriana, pois ninguém a tanto fez referência, que saibamos, até agora.
Para mais isto não modifica a
relevância que merece António Macedo Guimarães, uma vez que no suplemento
desportivo do “Notícias de Guimarães”, datado de 4/12/1932, quando o Vitória já
jogava no Campo do Benlhevai, a caminho das glórias actuais, se escreveu o
seguinte sobre este dedicado vitoriano:
“Representaria
uma ingratidão da nossa parte se lançássemos no olvido o nome de António Macedo
Guimarães.
Presidente da
Direção do 1.º “Vitória Sport Clube” foi um dos mais devotados servidores da
sagrada causa do Desporto.
Cheio de
energia, de coração magnânimo e possuído dum entusiasmo que não arrefece, em
época em que o desporto era privilégio de meia dúzia de rapazes endinheirados,
António Macedo Guimarães conseguiu interessar toda uma população citadina e
ergueu bem alto o nome da cidade de Guimarães e o do Club a que presidia.
Ao
homenageá-lo, cumpre-nos envolver nessa homenagem os seus cooperadores: Tenente
José Campos, L. Coelho, António Emílio Pereira de Macedo, Luís Gonzaga e
Avelino Dantas.”
HÉLDER
ROCHA
O Povo de Guimarães, 20
de Junho de 1997
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