O homicídio do gerente do Banco Nacional Ultramarino - I

Luís Ribeiro Pousada (1890-1927)

Em Dezembro de 1927, o Repórter X, Reinaldo Ferreira, esteve em Guimarães ao servido do jornal Primeiro de Janeiro, para seguir a história de um crime que fez correr muita tinta. Apesar de, mais tarde, ter escrito que  a sua reportagem, “por ser justa, generosa e serena, provocara simpatias”, o que aconteceu foi exactamente o contrário. Os vimaranenses, que sofreram como suas as dores de duas famílias, não apreciaram o colorido da prosa do jornalista-ficcionista, como mais adiante veremos.
Luís Ribeiro Pousada era filho de um alfaiate e de uma costureira de Polvoreira que tinha subido a vida a pulso, alcançando a posição de gerente da filial de Guimarães do Banco Nacional Ultramarino. No dia 15 de Dezembro, no final do jantar, despediu-se da sua esposa, Cândida Preciosa, avisando-a que poderia regressar mais tarde, porque tinha que ir ao escritório da casa comercial Machado & Melo, situada no Largo 1.º de Maio (Senhor da Guia), para tratar de assuntos do seu serviço. Nessa noite não regressaria a casa, nem apareceria no banco, na manhã do dia seguinte. Instalou-se o desassossego. Ninguém tinha explicação para o desaparecimento do cumpridor e diligente funcionário que, naquele preciso dia, completaria 37 anos de idade.
Naquela sexta-feira, Guimarães assistiu incrédula ao desfolhar das notícias que se sucediam. No sábado, deslindava-se. Luís Ribeiro Pousada tinha sido assassinado e jazia em Gominhães, no fundo de um poço. O homicida estava preso e era seu amigo. Um crime estúpido e sem explicação que ceifou a vida a um pacato cidadão e que acabou com a vida, até aí alegre e despreocupada, daquele que o cometeu.
Comecemos pelo relato dos factos, tal como o sai por aqueles dias, no jornal Ecos de Guimarães:



Luís Ribeiro Pousada – Desaparecimento misterioso

Horas de ansiedade - O seu assassinato - O agente da autoridade investiga e consegue desvendar todo o mistério com a confissão do criminoso.
É missão dolorosa o ter de relatar factos da maior gravidade mormente quando se relacionam com pessoas de estima e de um passado modelar.
É duplamente doloroso, porque, para chorarmos a perda de um amigo, temos de verberar o procedimento criminoso duma criatura que, embora de boa família e que nos merece toda a estima, caiu na alçada da justiça e se tornou réu de um delito gravíssimo.
Como, porém, o dever dum jornalista é orientar o público com imparcialidade, vamos narrar com toda a verdade o trágico desaparecimento do nosso saudoso amigo, sr. Luís Ribeiro Pousada, até ao seu aparecimento no Poço do Pombal de Cima, em Gominhães.
Na quinta-feira passada, de. pois de ter avisado a esposa de que recolheria mais tarde por ter de tratar uns assuntos com a firma Machado & Melo, saiu de casa, cerca das 8 horas da noite, o nosso amigo sr. Luís Ribeiro Pousada, activo e inteligente gerente da Filial do Banco Nacional Ultramarino, desta cidade.
Como a demora se fosse prolongando, a esposa do sr. Pousada da começou a Inquietar-se, até que, amanhecendo e chegando a hora de abrir o estabelecimento, o seu escrupuloso gerente não aparecia, quando era sempre o primeiro a apresentar-se.
Começou a suspeita de que alguma coisa de anormal haveria e a inquietação da esposa e dos empregados aumentava.
Na casa Machado .& Melo haviam dito que não estivera. Aonde estaria o desventurado? Fantasiavam-se hipóteses, mil coisas se diziam.
A sexta-feira foi de incertezas para a querida esposa e para os bons funcionários. Até que chega o sábado e as notícias as mesmas. Pelas duas horas da tarde, como constasse alguma coisa ao inteligente amanuense da Administração, sr. José Roriz, acerca duns rumores ouvidos na noite de quinta-feira, no estabelecimento de Machado & Melo, foi ao B.N.U. para procurar certos informes e quis a Providência que daí a momentos ali aparecesse o sócio Manuel Ferreira de Melo, de 28 anos, solteiro, a perguntar aos empregados se alguma coisa já se havia descobrido acerca do paradeiro do sr. Pousada. O seu estado de excitação era tal que despertou no sr. Roriz certo reparo e o mesmo aos empregados daquele estabelecimento bancário. Além disso o Melo apresentava arranhaduras no rosto e nas mãos a ponto de o diligente amanuense tomar a resolução de o mandar prender. E assim foi que às três horas da tarde já o Melo estava incomunicável na Administração do Concelho.
Momentos depois, após a sua entrada na prisão, o digno agente da autoridade, sr. José Roriz, principiou a interrogar o presumido réu, que se manteve na mais formal negativa, mas, no entanto, deixando transparecer alguma luz sobre o misterioso caso. Não desanimou na sua espinhosa tarefa o sr. José Roriz. Apareceram pessoas que alguma coisa ouviram do que se passara na terrível noite de quinta-feira que muito auxiliaram o interrogatório seguinte.
O Melo, sempre bem disposto e sereno. A noite ia estendendo o seu manto e uma chuva miudinha, impertinente, ia batendo nas vidraças e, apesar disso, a aglomeração de povo aumentava junto da Administração.
Na cidade, em todos os lares, crescia a consternação e a ansiedade pela descoberta do crime aumentava. O agente principia novo interrogatório, este menos demorado. Mais luz se fez sobre o misterioso crime. Desta vez não saiu ainda a confissão. A pista, porém, estava indicada. A indignação aumenta e todas as suspeitas recaem no preso. Uns momentos de descanso. O criminoso sucumbe.
Principia novo interrogatório e, cerca da meia-noite, o Melo, depois de dizer “fui eu” principia a chorar convulsivamente por espaço de um quarto de hora. Seguidamente fumou um cigarro e declarou que, efectivamente, entrara no seu estabelecimento o sr. Pousada, depois das nove horas, muito alegre e bem disposto, estando a conversar por espaço do meia hora em vários assuntos. Passado este tempo o sr. Pousada perguntou no Melo pelo guarda-livros, para darem princípio ao exame da escrita, sendo-lhe respondido por aquele que ainda não havia chegado, demorando-se os dois mais algum tempo a conversar.
Pousada voltou a perguntar pelo guarda-livros, ao que o Melo respondeu que era natural naquela noite não ir ao estabelecimento, visto que era apreciador de cinema. Pousada não se conformou, dizendo que já não era a primeira vez que ali ia inutilmente, que não achava correcto um tal proceder, chamando-lhes pantomineiros e que os julgava a ambos iguais, acrescentando que não mais contassem com ele para nada, pois que em nada mais os atendia. Melo despeitado com a advertência feita disse ao Pousada que não seria capaz de repetir as frases pouco lisonjeiras para a sua firma.
Pousada voltou a repeti-las com firmeza, recebendo nesta ocasião um soco no queixo e, em seguida, como tentasse defender-se, segurando-lhe o braço esquerdo, recebeu um tiro de pistola na cabeça, lutando desesperadamente até que Pousada caiu com mais dois tiros exclamando “ai que me mata” além de outros lamentos, ouvidos por pessoas das vizinhanças.
O criminoso diz ter procurado suicidar-se com um tiro de pistola não o podendo fazer por esta se encravar, ficando-lhe uma bala no cano. Depois saiu para a rua.
Percorreu algumas ruas, desviando-se o quanto possível de pessoas conhecidas. Voltou a casa com a preocupação de saber se Pousada estava vivo ou talvez gritando. Tendo verificado que a sua vítima estava sem vida, envolveu-a em sacos, tendo-a colocado numa fossa do seu estabelecimento, conservando-a ali com cuidado inexcedível para que não fosse vista por qualquer empregado, pois que era costume ali despejar o lixo, coisa que não puderam fazer naquele dia por o Melo os desviar para outros serviços quando se propunham fazer a limpeza.
No dia seguinte às 9 horas da noite, tendo alugado um carro, com a recomendação de ser um landau e não carro aberto, com o pretexto de ir ver a namorada, como já várias vezes havia feito, introduziu, no referido trem um saco volumoso, mandando seguir na direcção de S. Torcato.
No sítio chamado Entre-Vinhas, a convite do cocheiro sr. Domingos Costa entrou um rapazola, que não pudemos reter o nome que seguiu no carro até ao lugar da Quinta do Pombal, em que o Melo mandou parar o carro, apeando-se o tal rapaz, que só ali reconheceu o Melo. Este, depois de dar tempo a que o convidado retirasse, lamentou não estarem ali umas pessoas com quem contava para conduzirem o saco que, segundo disse conduzia formas de calçado e várias miudezas para um seu cliente.
Aproveitando a ocasião em que o cocheiro fora à frente dos cavalos verter águas, o Melo retirou do carro, com toda a agilidade, o saco, colocando-o às costas, e dizendo o cocheiro que, como não viesse quem ele contava, levava ele o saco e não demoraria mais que um quarto de hora, tendo o cocheiro notado que o saco devia ser pesado, pelo esforço que lhe via empregar. Melo seguiu com o seu fúnebre embrulho, que não era nem mais nem menos que o desditoso Pousada, lançando o num Poço que fica no “Pombal de Cima”, na freguesia de Gominhàes, e que mede de profundidade cerca do uns dez metros, coberto com três pedras, das quais desviou a do meio, voltando a colocá-la.
Regressando ao local aonde deixara o carro, mandou seguir o cocheiro na direcção costumada, tendo-lhe recomendado que não desejava ser visto em S. Torcato.
À hora do nosso jornal entrar na máquina encontra-se aquele local guardado por quatro guardas, fazendo os zelosos empregados do B.N.U. turnos desde que tiveram conhecimento do aparecimento do cadáver do seu malogrado gerente.
Melo declara não ter cúmplices de espécie alguma, que tudo leva a crer que assim seja.
O cadáver da vítima está de borco no fundo do poço que é empedrado e sem água.
Para o local têm seguido muitas pessoas que não ocultam a sua consternação.
Estamos certos que a ilustre direcção do B.N.U. não esquecerá a desventurada viúva e as suas duas lindas criancinhas.
*
O extinto deixa viúva e dois filhinhos de tenra idade.

À desolada viúva e toda a família em luto, bem como ao Banco N. Ultramarino, apresenta o “Ecos de Guimarães” o seu cartão de pesar.
Ecos de Guimarães, 17 de Dezembro de 1927

[continua]

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