Memórias Paroquiais de 1758: São Tomé de Abação



A outra Abação, S. Tomé, fica nas costas da Serra de Santa Catarina, a que também terão chamado do Penedo Gordo. A sua igreja pertencia, já no tempo do rei D. Afonso III, ao Padroado Real.
A crer no que escreveu o pároco em 1842, a origem do nome desta freguesia, e da vizinha de S. Cristóvão, virá de ambas as freguesias ficarem na aba da serra de Santa Catarina.
O abade de 1758 diz que a igreja é “feita ao moderno”, classificando a sua arquitectura como “das melhores que tem toda esta redondeza”. Na padieira da sua porta está inscrita a data 1743. Terá sido mandada fazer por um brasileiro, sujo nome o pároco de 1842 não soube dizer.
Na Memória Paroquial de 1758 há uma descrição muito curiosa, detalhada e elogiosa de um “delicioso retiro”, a que o povo chamaria de Escorial, que foi mandado construir pelo Abade Manuel Teixeira de Azevedo, natural da cidade de Braga. Por coincidência, ou talvez não, o mesmo padre que redigiu e assinou a memória paroquial onde tal elogio está inscrito.

São Tomé de Abação
1. Na Província de Entre-Douro-e-Minho, Arcebispado de Braga Primaz das Espanhas, visita de Monte Longo, termo e comarca da vila de Guimarães, fica a freguesia de S. Tomé de Abação.
2. É de el-rei e preside nela um abade.
3. Vizinhos tem setenta e seis, pessoas de comunhão duzentas, e pessoas de menores trinta e duas.
4. Está situada nas costas da serra de Santa Catarina e, como fica num alto descobre, para a parte do poente oito léguas e, no espaço destas, muitos campos e vales, pondo termo a esta vista o mar, para a parte do Norte não tem vista, senão a última altura da serra de Santa Catarina, como também para o Nascente, para a parte do Sul descobre muitos vales e serras.
5. Pertence ao termo da vila de Guimarães e sua comarca.
6. A paróquia não tem lugar vizinho, senão as casas da residência do Reverendo Abade que estão mistas à mesma igreja e são as melhores que há na freguesia ficando-lhes de fortes as hortas e pomar e vário prados, tudo pertencente às mesmas casas e entre isto e as casas passa uma estrada de continuada passagem, parte ao Norte com a dita serra, ao nascente com a freguesia de Santa Maria de Matamá, a Santa Marinha da Costa, ao Sul parte com S. Cristóvão de Abação e Santa Eulália de Pentieiros, ao Poente parte com o Salvador de Pinheiro.
A igreja de sua arquitectura é das melhores que tem toda esta redondeza, está feita ao moderno, com dois campanários rematados com três pirâmides de pedra e, na do meio, uma cruz de ferro com sua bandeira, que mostra as variedades de tempos. Tem mais seis pirâmides rematando a obra toda com duas cruzes, tudo de pedra. No frontispício tem um nicho de nove palmos com uma imagem de Nossa Senhora, com o título das Necessidades, com sua vidraça por diante. Dentro da igreja tem dois altares colaterais, um de Nossa Senhora do Rosário, da parte do Evangelho, o qual tem sua confraria, da parte da epístola tem outro de S. Sebastião, com duas imagens milagrosas, uma de Nossa Senhora do Sol, outra da Senhora Santa Ana. Tem mais o altar maior e nele o Santíssimo Sacramento, num precioso domicílio feito a todo o custo, obra que mandaram fazer do irmãos. Tem a capela-mor duas janelas rasgadas e uma sacristia, o corpo da igreja tem seu coro, dois confessionários metidos nas paredes e quatro janelas rasgadas. Tem toda a Via Sacra no adro e tudo muito bem lavrado.
Por trás das casas da residência, estão fixos muitos penedos, formando um triste penhasco, porém, com a compostura com que estão ornados, se fazem agradáveis à vista, circulando a estes brandas, murtas e alegretes e, em cima e debaixo de alguns, estão formadas algumas capelas, na forma de uma Tebaida guarnecida com seus embrechados. Em cima de um penedo, está uma capela com S. Pedro no Deserto e, dentro, suas murtas e flores e o santo metido no meio, em cima de outro. Outra de S. Jerónimo, ornada da mesma sorte. Debaixo de um famoso penedo, está outra com Santa Maria Madalena recostada a uma pedra, e dentro com suas murtas e flores. Outra de S. Bento, metida entre dois grandes penedos, cobrindo-a por cima uma grande laje. Outra de S. João Baptista, encostada a um altíssimo penedo, fabricada de pedra e cal, guarnecida com variedades de conchas, cobrindo-a por cima quatro frondosos carvalhos que, pela densa vastidão de folhas, não deixa entrar no sítio raio de Sol, formando um triste retiro. Tem mais o mesmo sítio um pequeno lago de água metido entre quatro penedos, e deste corre a água para outro lago maior, circulado também de seis grandes penedos, os quais servem de prisão às mesmas águas, fazendo, de fundo de água, doze palmos, e, por ser obra rústica, feita pela disposição da natureza, se faz admirável. Entre a mesma penedice está um pequeno largo e neste dois quadros de murta e, ao redor, seus alegretes com várias flores, que todo o ano servem de matizes ao sítio. Tem uma janela que dá para uma estrada, coberta por cima de uma frondosa parreira. Tem outro largo com uma mesa, com seus assentos à roda, tudo de pedra, servindo-lhe de chapéu de sol um denso carvalho que, pelo modo como está tecido, se faz vistoso. Chama o povo, a este delicioso retiro, Escorial. E fica ao livel das telhas das casas da residência porque, saindo dos quartos interiores das casas, se sobem para o dito Escorial dezoito degraus. Esta obra foi feita pelo Abade Manuel Teixeira de Azevedo, natural da cidade de Braga.
7. O orago da freguesia é S. Tomé Apóstolo.
8. O pároco é abade de apresentação real. Terá, um ano por outro, de renda duzentos e cinquenta mil réis, e paga da renda a quarta parte à Santa Patriarcal.
9. Não tem beneficiados.
10. Não tem conventos.
11. Não tem hospital.
12. Não tem casa de misericórdia.
13. Tem esta freguesia no seu distrito quarenta lugares digo quarenta e quatro, todos espalhados e são os seguintes: Telhado, Telhado de Além, Cima de Vila, Pena Brava, Pena Redonda, Carvalho, Revolta, Chãos, Outeiro, Muro, Ribeirinha, Lameira, Souto, Nogueira, Ventosa, Penedo Novo, S. Gemil, Codeçal, Corte Real, Bouça, Penedo Velho, Cortinhas de Cima, Cortinhas de Além, Cortinhas de Baixo, Boucinha, Encados, Alqueidão, Laje, Beldorreiro, Portezelo, Casal, Vinhas de Cima, Vinhas de Baixo, Lagar, Carreiro, Mortório, Moinho, Lameiras, Cabo de Vila, Herdade, Eira Velha, Revoreda, Cachada, Barroca, a Residência da igreja. E, no lugar da Revolta, está uma capela de S. José, a qual venera um devoto que a mandou fazer e pertence à freguesia.
14. A esta concorrem algumas pessoas e, com mais frequência, aos dias santos. Não tem determinada romagem, o alter é privilegiado, está muito bem ornada e tem princípio de Confraria.
15. Os frutos destas terras são pão de milhão, milho branco, painço e centeio e algum trigo, castanhas e frutas de toda a casta. A maior abundância é de milhão, centeio, feijão e painço.
16. Não tem juiz ordinário, são os seculares governados pela justiça de Guimarães, os eclesiásticos pela cidade de Braga.
17. Não tem couto, nem cabeça de concelho, honra ou beetria.
18. Não há memória que dela saíssem pessoas peritas em letras ou armas e ou que ocupassem lugares grandes.
19. Não tem feira.
20. Não tem correio, mas sim se serve com o de Guimarães, que dista pouco menos de uma légua o qual parte à sexta-feira e chega ao domingo.
21. Dista esta freguesia de Braga três léguas e meia, de Guimarães pouco menos de uma, da de Lisboa sessenta.
22. Privilégios, tem dois das Tábuas Vermelhas de Nossa Senhora da Oliveira, os quais estão encabeçados em duas fazendas chamadas uma o Telhado e outra o Penedo Velho. Tem outro da Bula, outro da Santíssima Trindade e outro de Santo António e outro da Santa Casa de Jerusalém.
23. Tem dezassete fontes nativas, porém nenhum com especialidade para que se faça memorável. Não tem lagoa alguma.
24. Não tem porto de mar.
25. Não tem muros, nem praça, nem torre, nem castelo.
26. No ano do terramoto de cinquenta e cinco não houve ruína alguma, só sim duas bolas das pirâmides da igreja.


SERRA
1. Chama-se de Santa Catarina.
2. Principia do arco de Pombeiro e acaba no mosteiro de Santa Marinha da Costa de monges de S. Jerónimo, junto à vila de Guimarães.
3. Não tem braços, porque tanto tem de largo, como de comprido.
4. Não tem rio algum, só muitas fontes que dela nascem que servem de regar as terras vizinhas.
5. Fica junto a ela a vila de Guimarães.
6. Não tem fontes dignas de memória.
7. Não tem minas de metais, só sim é muito abundante de pedra muito grosseira. Com esta se fazem muitas cantarias por suas vizinhanças.
8. Tem muitas árvores de carvalhos, alguns sobreiros e muitos matos.
9. Tem esta serra o mosteiro de Santa Marinha da Costa, de monges de S. Jerónimo. Tem, mais em cima, uma ermida de Santa Catarina, e neste sítio alguns vestígios de haver antigamente algum castelo. Tem outra capela de Nossa Senhora da Penha, a qual está fundada debaixo de um penhasco grande, de que são senhores os religiosos de Nossa Senhora do Carmo Calçados, e reside nela um leigo da mesma religião.
10. O temperamento é fresco,
11. Tem criação de coelhos, perdizes, lebres, raposas, porém em pouca quantidade.
12. Não tem lagoas, só sim barrocos grandes e várias lapas debaixo de penedos, onde se recolhem os pastores do gado quando chove.
13. Não tem coisa alguma mais de memória.


RIO
Não há neste sítio. Há várias valas de água com que moem alguns moinhos de Inverno, as quais juntas formam um pequeno regato na freguesia do Salvador de Pinheiro.
Não tem mais esta freguesia que diga de rio,
Nesta forma tendo dado complemento à ordem do Sr. Dr. Provisor da cidade de Braga com os Reverendos. Párocos vizinhos na forma mandada e assinei com eles ditos abaixo hoje 22 de Maio de 1738.
Manuel Teixeira Azevedo, Abade de S. Tomé de Abação
José Alves Fumo de Gouveia, Abade do Salvador de Pinheiro
Domingos Lopes, Abade de Santa Eulália de Pentieiros.

Abação, S. Cristóvão de”, Dicionário Geográfico de Portugal (Memórias Paroquiais), Arquivo Nacional-Torre do Tombo, vol. 1, n.º 1, p. 1 a 6.
[A seguir: Gémeos ]



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2 Comentários

Unknown disse…
O que quer dizer "O pároco é abade de apresentação real"?

Sobre São Cristovão de Abação penso ter escrito que "era d'el Rei". O Rei ou a Casa Real era senhorios de alguma terra ou quinta em Abação?

Tenho essas dúvida! Podia esclarecer por favor?
O meu avô e minha mãe eram naturais da freguesia de ABAÇAO, S. Tomé.
Meu avô era um importante proprietário e possuia várias quintas na freguesia, nomeadamente, LAMEIRAS, CABO DE VILA, PENEDO NOVO, REBOREDA e não sei se mais alguma porque, quando faleceu, dizem-me, que deixou uma quinta a cada filho e os seus filhos e filhas eram 7 entre eles a minha mãe que recebeu a quinta das LAMEIRAS que, ainda hoje pertence à família. Minha mãe faleceu em 1940 e meu pai ( António Silva XAVIER) manteve a quinta e aumentou-a.
Ainda hoje a família XAVIER composta por mais de 300 membros, reúne-se, anualmente, nas LAMEIRAS. No último encontro éramos 201!!!.
As outras quintas foram vendidas a não familiares.