Pregões a S. Nicolau (60): 1907.1


Milagre de S. Nicolau

O pregão recitado nas Festas Nicolinas de 1907 foi o primeiro escrito por Delfim Guimarães (da sua pena ainda sairiam mais 13, o último dos quais em 1960). O pregoeiro foi Francisco Xavier de Albuquerque Dias, “académico do 5.º ano”. O jornal o Comércio de Guimarães noticiaria assim o bando de 1907, ano em que as festas voltaram a ser perturbadas pela chuva:
Na quinta-feira passada, como já noticiámos, subiu o bando recitado pelo aluno do 5.° ano do nosso liceu snr. Francisco Xavier.Este número do programa que costuma ser muito luzido, este ano por causa do mau tempo, perdeu todo o brilho, vendo-se o aluno que recitava o bando na necessidade de, em algumas partes, o recitar das janelas dos prédios, por causa da chuva que caía torrencialmente.
Ao que se sabe, estava para ser lido, pelo mesmo Francisco Dias, outro pregão, escrito por Jerónimo de Almeida. No entanto, “por motivos particulares”, não o foi, mas o autor fez questão de o mandar imprimir e distribuir profusamente.


O S. Nicolau em Guimarães
BANDO ESCOLÁSTICO
Recitado em 5 de Dezembro de 1907
PELO ACADÉMICO DO 5.º ANO
Francisco Xavier de Albuquerque Dias


Um ano ainda mais!!...
                                        — Lírios sempre a sorrir
Às rosas e às cecéns nos vales do porvir!
Cada ano que passa é um sonho da Mocidade
A delirar a morte e os beijos da Saudade,
Que se vai mergulhar na campa da Incerteza
Com os olhos a escorrer o pranto da Tristeza!!

Como esta Vida é curta!!
                                             Ai! como é curta a Vida!!
— Momento que nos foge, áurea Ilusão perdida,
Dos nossos Corações repletos de Magia.
A cantar, a cantar, as trovas da Agonia!!..
A Velhice lá vai, por esse mundo em fora,
Curvada pelos anos, meiga, sorridente,
A olhar-nos com seus olhos feitos duma Aurora,
A olhar-nos com Amor imaculado, alvente!!
Lembra-lhe a sua Festa, a Festa de nós todos,
E em sua Alma extinta de graças... e apodos,
Resguarda a Saudade das horas divinas
Que tão feliz passou nas Festas Nicolinas!!
Bendita sejas tu, ó nossa santa Irmã,
Bendito o teu olhar tãopuro, tão loução,
Para sempre bendito
Teu olhar infinito!!

Silêncio!...
— Agora é a Alma que tenta suspirar!
Quem suspirou primeiro foi o coração!...
— A órfã pobrezinha quer desabafar
A Dor do Sofrimento... a Dor da Ingratidãol!...
Caminha louca, errante, triste, e macerada,
A procurar na Sombra, a procurar no Nada,
Um Astro esplendoroso, místico, sidério,
Um sonho cor-de-rosa—a Vida cor de lis
Que breve lhe fugiu para a treva do Mistério
Como também fugiu... Padre Gaspar Roriz!!...
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Alma desventurada... o teu sofrer não finda,
Tens os cabelos brancos e és tão nova ainda!!

Mas quem é que vem lá, certeiro,como um tiro,
Cortar este silêncio... profundo, completo?!
— Ah! já sei quem é... É o álvaro Casimiro
Que, de zabumba em punho, sempre firme, erecto,
Corre à rapaziada a expandir paixões,
Trazendo a alegria aos nossos Corações!!

Caixeiros!... alto aí... Um passo à rectaguarda!...
Respeitai a batina, a sacrossanta espada,
Que Minerva nos deu para vencer a ciência!...
Isto não é por mal, não é, tende paciência,
O nós não vos deixar folgar na nossa Festa!...
Mas é que o estatuto em um artigo atesta:
"—Todo qualquer aquele... que, com ar pedante,
Tente meter nariz na festa do estudante,
Irá tomar um banho, após castigos vários,
Ao tanque de água má, em eras de primeira.
Que deixaram no largo do Campo da Feira
A olhar cheio de raiva os marcos fontenários!..."
Por isso desculpai o nosso altivo tom
Nascido, bons amigos, da comum franqueza
Que nos freme no peito cheia de bondade!
—Nicolau, somos nós!!.. É o nosso Coração!!...
Enquanto que vós—sois a Festa da Cidade,
A Glória triunfal da marcha Milanesa!!..

Tricanas, meus amores, por tudo que há sagrado
Juro que o nosso amor não é falsificado!...
Escutai-nos à noite, ao sair do serão,
Ali nas avenidas, pela escuridão,
E vós haveis de ver, passando um só instante,
Como é tão bom e doce, o amor... do estudante!!...
Filhas, não vos zangueis!... Que génio tão mauzinho!!...
Um bocadinho, apenas, só um bocadinho!...
                                Podeis acreditar:
Ninguém melhor que nós conjuga o verbo Amar!...
Ó ledas costureiras, vinde, vinde a nós,
Vinde sem mais tardar, formosas borboletas,
Com o dedal e a agulha enfiada em retrós
Remendar de mansinho as nossas capas pretas!...
Cosei estes rasgões, fazei nossos desejos,
Que em troca vos daremos o sagrado... mel
Das nossas bocas rubras, cheias de mil beijos,
E não diremos nada à senhora Raquel...
Cosei, cosei gaiatas!... Vá, não tenhais medo!...
Ninguém o saberá, nós somos de segredo!...

Agora é a tua vez, salubre Guimarães!!...
— Que progredir o teu, berço das nossas mães!!...
Tu, nem pareces tu... com esses arrebiquesl!!!...
Até o nosso Rei, o D. Afonso Henriques,
Ao ver partir para Fafe o célebre... comboio,
Abriu a boca enorme e co um ar de saloio.
Disse, quase a chorar: “— Só eu, a vida inteira,
“É que hei-de aqui estar de pé nesta cadeira!!...
Eles alargam largos, deixando-os formosos,
“Fazem para aí polígnos — embora vergonhosos —
“Festas Gualterianas esplêndidas, completas,
“Severos regedores que só lêem de lunetas,
“Ovações ao descanso que nunca descansa,
“Coisas mirabolantes —e eu sem esperança
“De sair da cadeira, desta banca tosca,
“Que foi feita, talvez, para cá pôr uma mosca!!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Verdade, verdadinha: Afonso, tem razão!!...
—E o que diria ele se fosse a Paio Galvão
E fitasse o trabalho deveras genioso,
Que fez o grande Artista, o nosso Abel Cardoso?!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

Ó nobre Guimarães, tu, para o ano que vem,
Com esse teu progresso que nos causa espanto,
Podes desafiar Paris ou o Pevidém
Que tudo… à tua vista, ficará a um canto!!...
E quando tu tiveres a férrea prisão,
Qual Bastilha feroz, qual Templo horripilante,
Há-de tremer a Rússia, Campelos e Lyon,
Do teu progresso altivo, do teu olhar hiante!!...

Damas de Guimarães, Formosas sem igual,
Vós sois a santa Luz do nosso Portugal!
Se acaso nos sorrides — ó áurea fantasia!... —
Os nossos Corações, sedentos de alegria,
Erguem as níveas mãos e quedam-se a rezar
As Rezas do Amor repletas de luar;
Deitamos para o chão os livros enfadonhos,
E aos nossos Pensamentos voam lindos Sonhos
Cobertos de jasmins, de lírios e açucenas!!
Damas de Guimarães, ó dúlcidas morenas,
Fitai o olhar em nós, assim, sempre a Sorrir,
Porque o Sorriso vosso é o místico Porvir
Da nossa Felicidade aurifulgente e calma!!
Nossas Virgens — Senhoras — Almas da nossa alma —
Guiai-nos pelos caminhos
De flores e não de espinhos!

Rapazes!... vamos lá!!... Aqui não se trepida!!...
— Metralha para a Morte e risos para a Vida! —
Nicolau é quem manda!... É o nosso Marechal!!
Ele pretende a guerra, a guerra Universal,
A tiros de zabumba, a rufos de tambor!!
— À luta, à luta, pois, sem tréguas de pavor...
Que tremam os Cuamatas desta expedição,
Mais forte do que a força monstra do Japão,
E que ao troar das peças — roncos das geenas —
O mundo dê mil voltas num segundo, apenas!!...

Dezembro de 1907
Delfim Guimarães

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