José leite de Vasconcelos. Escultura de Raul Xavier, da Col. da Sociedade Martins Sarmento
Texto Publicado por José Leite de Vasconcelos no número único de "A Apotheose", publicado em Guimarães no dia 19 de Outubro de 1887, aquando da inauguração da estátua de Afonso Henriques:
“… a simpatia, que em todos os séculos a gente portuguesa mostrou pela memória do filho do conde Henrique, torna-se respeitável, porque tem as raízes num afecto dos que mais raros são de encontrar nos povos, -a gratidão para com aqueles a quem muito deverem.”
Diz Alexandre Herculano que a história de Portugal começa só no século XI, porque, nem no território, nem na raça, nem na língua, não há nenhuma identidade nacional entre os portugueses e os lusitanos (Hist. de Port., I, introd.). A afirmação do nosso grande historiador não se pode aceitar. De facto, com relação à geografia, Portugal e a Lusitânia não coincidiam matematicamente; mas também o Portugal do tempo de D. Afonso Henriques não era o mesmo de hoje, e contudo, todos reconhecem a continuidade histórica entre ambos. Por isso este argumento não colhe. Com relação à raça, já se compararam porventura os caracteres antropológicos dos lusitanos e dos portugueses? Pondo de parte este argumento negativo, temos outros positivos, tirados da etnografia, da arqueologia, etc., que nos provam que entre lusitanos e portugueses não existe antinomia, e sim sucessão. Pelo que respeita à língua, está demonstrado, tão bem quanto isso é possível na glotologia, que o português não deriva de uma língua indígena da Lusitânia, mas do latim trazido para cá pelos romanos, – não obstante as teorias fantásticas do sr. João Bonança, aprovadas pela parte fóssil dos escritores do nosso país; no entanto houve uma época em que os lusitanos falaram latim, que eles modificaram, e em que decerto introduziram palavras suas, e por isso, neste sentido, a língua portuguesa é uma herança que os lusitanos nos legaram. Além disso, o onomástico actual compõe-se de muitos vocábulos primitivos, lusitanos ou não, anteriores aos romanos, como Lisboa, Tejo, Guadiana, Minho, Braga, Ave, etc, de modo que os portugueses descendem dos lusitanos, embora nos atributos da raça muitas influências estranhas e diversas se descubram; isto, porém, acontece com todas as nações. No tempo de D. Afonso Henriques a nacionalidade não estava oficialmente definida; ele definiu-a, contribuiu para que os caracteres deles se acentuassem e se perpetuassem, firmando a independência e alargando o domínio do país; deu, enfim, maior coesão aos elementos nacionais, que existiram antes dele. Está nisto o seu grande merecimento. Honra, pois, à nobre cidade de Guimarães, que sabe glorificar a memória do mais ilustre dos seus filhos.
Porto
A. Herculano, - Hist. de Port. I, 142,
Diz Alexandre Herculano que a história de Portugal começa só no século XI, porque, nem no território, nem na raça, nem na língua, não há nenhuma identidade nacional entre os portugueses e os lusitanos (Hist. de Port., I, introd.). A afirmação do nosso grande historiador não se pode aceitar. De facto, com relação à geografia, Portugal e a Lusitânia não coincidiam matematicamente; mas também o Portugal do tempo de D. Afonso Henriques não era o mesmo de hoje, e contudo, todos reconhecem a continuidade histórica entre ambos. Por isso este argumento não colhe. Com relação à raça, já se compararam porventura os caracteres antropológicos dos lusitanos e dos portugueses? Pondo de parte este argumento negativo, temos outros positivos, tirados da etnografia, da arqueologia, etc., que nos provam que entre lusitanos e portugueses não existe antinomia, e sim sucessão. Pelo que respeita à língua, está demonstrado, tão bem quanto isso é possível na glotologia, que o português não deriva de uma língua indígena da Lusitânia, mas do latim trazido para cá pelos romanos, – não obstante as teorias fantásticas do sr. João Bonança, aprovadas pela parte fóssil dos escritores do nosso país; no entanto houve uma época em que os lusitanos falaram latim, que eles modificaram, e em que decerto introduziram palavras suas, e por isso, neste sentido, a língua portuguesa é uma herança que os lusitanos nos legaram. Além disso, o onomástico actual compõe-se de muitos vocábulos primitivos, lusitanos ou não, anteriores aos romanos, como Lisboa, Tejo, Guadiana, Minho, Braga, Ave, etc, de modo que os portugueses descendem dos lusitanos, embora nos atributos da raça muitas influências estranhas e diversas se descubram; isto, porém, acontece com todas as nações. No tempo de D. Afonso Henriques a nacionalidade não estava oficialmente definida; ele definiu-a, contribuiu para que os caracteres deles se acentuassem e se perpetuassem, firmando a independência e alargando o domínio do país; deu, enfim, maior coesão aos elementos nacionais, que existiram antes dele. Está nisto o seu grande merecimento. Honra, pois, à nobre cidade de Guimarães, que sabe glorificar a memória do mais ilustre dos seus filhos.
Porto
J. Leite de Vasconcelos
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