No cinquentenário da morte de Eduardo de Almeida

Eduardo de Almeida (3 de Fevereiro de 1884 - 6 de Janeiro de 1958)

Eduardo Manuel de Almeida Júnior nasceu no dia 3 de Fevereiro de 1884, numa casa na rua de S. Dâmaso, em Guimarães. O seu pai, de quem tomou o nome, era um destacado homem de negócios. Estudou no Colégio de S. Dâmaso, que então funcionava no antigo Convento da Costa, onde completou o ensino secundário. Partiu para Coimbra em 1900, com o mesmo destino da maioria dos filhos da burguesia da terra que prosseguiam estudos superiores, inscrevendo-se na Faculdade de Direito da Universidade, cujo curso completaria em 1905, aos 21 anos.

Eduardo de Almeida era dotado de um espírito inquieto, que não se conformava à justiça que via campear no mundo em que nasceu. Em 1902, compõe com Alfredo Pimenta, seu contemporâneo em Coimbra, um folheto com 16 páginas intitulado Burgo Podre, escrito em prosa (de Eduardo de Almeida) e em versos (de Pimenta), onde se propunham levar moralidade aos domicílios vimaranenses, levando-a lá como o carvoeiro vos leva o carvão e a lavadeira a vossa roupa limpa de manchas. Meio século mais tarde, Mário Cardozo classificaria a obra como um folheto de má prosa e de péssimos versos. Alguns anos antes, Alfredo Pimenta recordava aquela “coisa inconcebível” que os dois jovens vimaranenses tinham trazido de Coimbra no fundo das malas: dezasseis página tremendas, irreverentes, sacrílegas com que nos propúnhamos dinamitar o burgo, purificar o Céu, e alimpar as almas, e lavar os corpos dos nossos conterrâneos”. A folha deu brado, provocou algum escândalo (as dezasseis páginas do Burgo Podre estalaram como chicotadas coléricas, juvenalescas e voltairianas), mas a publicação finou-se ao segundo número.

Por essa altura, já Eduardo de Almeida se envolvera na agitação política do tempo, aderindo aos ideais republicanos de orientação libertária. Integrou ao Núcleo de Educação Anarquista e, com Campos Lima e Alfredo Pimenta, colaborou no órgão daquela associação, a Era Nova. Em 1904, ergueu a sua voz contra o espírito retrógrado da Universidade de Coimbra, ao lado de António José de Almeida e de Manuel Monteiro.

Concluído o curso, regressa a Guimarães, onde se faz advogado, onde cedo consolidaria a sua fama de causídico competente e eloquente, com o um memorável tirocínio num caso particularmente difícil, em que assumiu a defesa de Antónia de Macedo, a Tiça, mulher do povo acusada da prática de triplo infanticídio e que, lida a sentença, acabaria absolvida.

Eduardo de Almeida foi, antes do mais, um homem de letras. Publicou o seu primeiro romance, A Lama, em 1905, ainda em Coimbra, um manifesto dirigido contra a sociedade decadente e desigual, onde proliferava a miséria, com uma clara influência da obra de Émile Zola. Desde muito jovem, colabora em inúmeras publicações periódicas, por onde irá dispersar ioncontáveis textos dedicados aos mais variados assuntos. O seu primeiro artigo na Revista de Guimarães foi publicado em 1906.

Em 1908, integrou, como secretário, a Direcção da Sociedade Martins Sarmento, cargo que abandonaria quando se mudou para o Porto, em Fevereiro de 1909, para estabelecer escritório de advocacia em sociedade com o seu amigo Alfredo Pimenta. Esta ausência de Guimarães não se prolongaria por muito tempo. Não tardava, dava-se a revolução por que se batera, com a instauração da República em Portugal. É chamado à cidade natal, onde irá assumir as funções de primeiro administrador do Concelho do novo regime. Do seu exercício nesse cargo ficariam na memória, antes de mais, as suas profundas preocupações sociais. Em 1911, foi eleito deputado por Guimarães para a constituinte. No Parlamento, recolheu reconhecimento e aplausos pelas suas qualidades humanas e pelos seus dotes de oratória. Em 1914, foi chamado para Chefe de Gabinete do Ministro das Finanças, Manuel Monteiro, num governo presidido por Bernardino Machado. Pelo seu perfil político, parecia talhado para uma auspiciosa carreira política. Porém, decidiu que esse não seria o seu caminho, recusando convites que lhe foram dirigidos.

Regressa a Guimarães após a morte de seu pai, em 1915, para assumir a direcção dos negócios da família, afastando-se, em definitivo, da política activa. Não obstante, manteve-se fiel, durante toda a vida, aos seus ideais republicanos e democráticos, sempre presentes nas suas intervenções públicas, nomeadamente nos textos que foi publicando na imprensa. Ainda seria redactor principal do jornal O Republicano, entre 1916 e 1917, e um dos directores do jornal O Povo de Guimarães, em 1931.

Eduardo de Almeida é uma figura incontornável na história da Sociedade Martins Sarmento. A ele se deve uma obra que devolveu o prestígio a esta instituição vimaranense, fortemente afectado na sequência da instauração da República e do desaparecimento de quase todos os seus fundadores. Depois de 1910, a SMS mergulhou numa crise que se aprofundaria com o correr dos anos

Ainda nos primeiros dias da República, Alfredo Guimarães empregava palavras corrosivas para descrever a situação que então atravessava a SMS:

Tal como está sendo gerida, a Sociedade Martins Sarmento é uma sucursal do convento do Quelhas, com beatério e impostura a enlameá-la. Não se serve a instrução popular; sufoca-se, diminui-se a alma interessada do povo. E isto por más intenções, por mesquinhos cálculos de vida social, por falta de desassombro, de inteligência e de convicções.

Com a República, sucederam-se os conflitos entre a Direcção da Sociedade e a Câmara Municipal. Os homens que então estavam à frente da Sociedade, defensores da Monarquia e incapazes de se adaptarem à nova realidade, permaneceram irredutíveis numa postura de resistência à imparável marcha do tempo, assumindo posições que apenas contribuíram para diminuir a Sociedade na sua dimensão institucional: rejeitaram o uso na correspondência da fórmula oficial (Saúde e Fraternidade), continuando a usar, não sem intenções provocatórias, a velha expressão Deus guarde V.ª Ex.ª; retiraram da sala de leitura os jornais de inspiração republicana que eram recebidos na Biblioteca; fizeram desaparecer o mastro do varandim voltado para a Rua Paio Galvão, para impedir que a bandeira nacional verde-rubra fosse hasteada em dias de festa. Como consequência de se ter transformado num reduto de resistência monárquica, em conjugação com a incapacidade dos seus directores para enfrentarem os problemas com que a Instituição se confrontava, a Sociedade Martins Sarmento passou por tempos de turbulência, manifestando sinais de degenerescência e de apatia cultural. A suspensão da publicação da Revista de Guimarães, em 1914, era um claro sinal da doença que minava aquela que tinha sido uma das mais relevantes instituições culturais portuguesas.

A situação parecia irreversível, até que Eduardo de Almeida foi chamado, em 1921, para as funções de Presidente da Direcção da SMS. Juntou à sua volta um conjunto heterogéneo de figuras, com diferentes orientações político-ideológicas, mas unidas por um objectivo comum: pacificar a Instituição, devolvendo-a à sua função original de promotora da instrução popular e da cultura. É de inteira justiça dizê-lo: aquilo que a Sociedade Martins Sarmento é hoje resulta, em grande medida, da acção refundadora de Eduardo de Almeida, que lhe devolveu o prestígio e o dinamismo que marcaram as primeiras décadas da sua existência.

Uma das primeiras medidas da Direcção de Eduardo de Almeida, retomar a publicação da Revista de Guimarães, demonstrou que os novos tempos recolocariam a Sociedade no seu caminho original, em grande parte centrada na defesa do património histórico, arqueológico e artístico de Guimarães. Dava-se início a um novo ciclo na vida da Sociedade Martins Sarmento, que voltava a ser a Promotora da Instrução Popular.

Eduardo de Almeida foi Presidente da Direcção da Sociedade Martins Sarmento entre 1921 e 1926. Findo o mandato, seria proclamado Sócio Honorário da Instituição, pelos “relevantes serviços prestados a esta Colectividade”. Regressaria ao leme desta Instituição por duas vezes, entre 1929 e 1931 e em 1945 e 46.

Eduardo de Almeida destacou-se como escritor, de grande mérito, sendo autor de uma obra que vai da ficção (publicou um romance e quatro volumes de novelas) aos estudos jurídicos e sociológicos. Quando assumiu a Direcção da Sociedade Martins Sarmento e da Revista de Guimarães, deu início às suas investigações históricas, publicando uma notável série de estudos dedicados à história de Guimarães.

Eduardo de Almeida, um dos últimos românticos da República, faleceu no dia 6 de Janeiro de 1958. Foi dado à terra, com simplicidade, no cemitério da Atouguia, onde repousou ao lado de dois outros grandes escritores portugueses, Carlos Malheiro Dias e Raul Brandão.

[Texto também publicado aqui]

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