Guimarães e a Vila do Espinhal: linhas que se cruzam

 

Espinhal, 12 de Agosto de 2012
(foto da Casa Família Oliveira Guimarães)

No dia 12 de Agosto de 2023 conheci, com outros amigos de Guimarães, a Vila do Espinhal, a terra onde J. Santos Simões nasceu há 100 anos. À tarde, estivemos entre os espinhalenses, numa singela e impressiva sessão pública de evocação da memória do homem que mais marcou a vida vimaranense na segunda metade do século XX, onde participei com plena consciência da minha pequenez, perante a figura do homenageado e as intervenções que antecederam a minha entrada na conversa — um breve e arrepiante concerto de guitarra do outro Joaquim Santos Simões e o desfiar de memórias de Jorge de Alarcão, um dos nossos historiadores e arqueólogos mais criativos e inspiradores, sobre o Espinhal e o filho da terra que ali se homenageava. A sessão decorreu numa sala (repleta) da Casa Família Oliveira Guimarães, um magnífico solar do século XVIII transformado em casa-museu e centro de animação cultural (onde se realiza, por exemplo a Bienal de Humor Luís d’Oliveira Guimarães, onde o meu bom amigo Miguel Salazar foi justamente homenageado em 2020).

Éramos uns de Guimarães na casa dos Guimarães. Fazia sentido. E, por fazer sentido, percebi que havíamos de voltar ao assunto.

 

P. — Desde quando se familiarizou com as actividades cénicas?

R. — Não há, por assim dizer, nenhum estudante que não tenha entrado em récitas escolares ou não tenha realizado espectáculos em férias.

Também não me pude furtar à lei. Pois dentre esses espectáculos de férias houve dois ou três que pesaram na minha inclinação pelas coisas de teatro e me prenderam aos sortilégios do palco. Refiro-me a dois Autos populares representados no adro da Igreja do Espinhal (vila onde nasci, num vale abrigado da Serra da Lousã) e cuja iniciativa se ficou devendo ao meu querido amigo Dr. Luís de Oliveira Guimarães, espinhalense também.

Dizer-lhe que esses autos constituíram uma redescoberta do teatro, não é mentir-lhe.

Entrevista de Santos Simões ao Notícias de Guimarães, em 4 de Outubro de 1959

 

Espinhal, 12 de Agosto de 2012
(caricatura da Casa Família Oliveira Guimarães)

Luís de Oliveira Guimarães, magistrado, com carreira feita como delegado do procurador da República, jornalista, escritor, poeta, dramaturgo, humorista, conferencista, fez vida em Lisboa, frequentando as tertúlias cultas do Chiado. Escreveu diversas peças de teatro de revista e outras comédias, algumas em parceria com autores como Carlos Selvagem, João Correia de Oliveira ou José Ribeiro dos Santos, entre outros. Do seu trabalho dramatúrgico destaca-se a adaptação do romance O Arcanjo Negro, de Aquilino Ribeiro, apresentado por Alves da Cunha no Teatro da Trindade, em 1948. Foi um dos fundadores da Sociedade de Escritores e Compositores Teatrais Portugueses (a actual Sociedade Portuguesa de Autores, de cuja revista se tornou director, em 1958). Sendo já um autor teatral consagrado, entusiasmou-se com a iniciativa de um grupo de jovens que, em meados da década de 1940, tomaram a iniciativa de fazer teatro na Vila do Espinhal. Entre eles, destacava-se Santos Simões, que nesses dias pressentiu o cimentar de uma vocação.

Luís de Abreu Alarcão de Oliveira Guimarães, nasceu no dia 19 de Abril de 1900, na Quinta do Castelo, implantada na Vila do Espinhal, concelho de Penela. Era filho de António Alves de Oliveira Guimarães, juiz de direito, e de Maria da Glória Alarcão Velasques Sarmento, “dona de sua casa” e natural do Espinhal. No baptismo, que se celebrou na Igreja Matriz do Espinhal, no dia 16 de Julho do ano em que nasceu, recebeu o nome de Luís de Abreu. O apelido Guimarães herdou-o de seu pai, que nasceu em Coimbra, na freguesia de S. Bartolomeu, no dia no dia 20 de Maio de 1858, sendo filho de Domingos Alves Pereira Guimarães, negociante naquela cidade, e de Engrácia de Oliveira Guimarães, natural da cidade de Aveiro, filha de José Marques de Melo, de Alquerubim, no concelho de Albergaria-a-Velha, e de D. Ana Cecília de Oliveira Melo, originária de Coimbra.

O seu avô paterno, Domingos Alves Pereira Guimarães, nasceu no dia 9 de Janeiro de 1826, no lugar de Bugalhós, na freguesia de Santo Amaro de Mascotelos, no concelho de Guimarães. Era filho de João Alves de Abreu e de D. Josefa Maria Pereira, lavradores proprietários de uma velha quinta daquele lugar.

João Alves de Abreu, nasceu em 25 de Fevereiro de 1784, também em Mascotelos, tendo recebido, no baptismo, o nome de João Amaro. Era filho de Manuel de Abreu e de Catarina Maria Alvares. Por sua vez, Manuel era filho de Salvador de Abreu e de sua mulher, Teresa Maria de Freitas, que, em meados da década de 1750, já residiam no lugar de Bugalhós.

 

João Gomes de Oliveira Guimarães, Abade de Tagilde, retrato a óleo de Abel Cardoso
(colecção da Sociedade Martins Sarmento)

Domingos Alves Pereira Guimarães, o avô de Luís de Oliveira de Guimarães, tinha uma irmã mais velha, chamada Maria Alves de Abreu. Nasceu no dia 23 de Abril de 1823 e casou, no dia 12 de Fevereiro de 1852, com Jacinto Gomes de Oliveira, natural da freguesia de Pinheiro, também no concelho de Guimarães. Desse casamento nasceu João, que veio ao mundo no dia 29 de Dezembro de 1853. Seguiria a vida eclesiástica. Antes de 1867, estava a estudar em Coimbra, onde deve ter sido amparado pela família do seu tio Domingos. Quando, depois de Coimbra, foi estudar para o Liceu de Braga, chamavam-lhe o Santo Amaro. Ficaria conhecido, para a posteridade, como o Abade de Tagilde e, como já escrevi um dia,

notabilizou-se como historiador, arqueólogo, numismata, epigrafista, diplomatista, genealogista, orador, político, escritor e jornalista. Foi candidato a deputado, e perdeu; exerceu funções de vereador e de presidente da Câmara de Guimarães. Podia ter sido bispo, mas não quis. O seu nome ficou ligado à Sociedade Martins Sarmento e ao ressurgimento dos estudos de história local de Guimarães. A sua obra mais marcante é uma impressionante compilação de documentos sobre o período medieval vimaranense, os Vimaranis Monumenta Historica.

O Abade de Tagilde é uma das figuras mais marcantes da história de Guimarães e da Sociedade Martins Sarmento (SMS). Foi o braço direito de Francisco Martins Sarmento na organização do Museu Arqueológico daquela instituição vimaranense. A ele se deve o ressurgimento dos estudos de história local vimaranense. Foi director da SMS durante dez anos, tendo sido presidente da sua direcção entre 1902 e 1905.

O espinhalense que ajudou a fundar a Sociedade Portuguesa de Autores, Luís de Oliveira Guimarães, era primo do historiador vimaranense João Gomes de Oliveira Guimarães. Joaquim António dos Santos Simões, espinhalense pelo nascimento e vimaranense pela vida, que considerava Luís Oliveira Guimarães um “muito prezado e admirado Amigo”, destacou-se em Guimarães, tal como o Abade de Tagilde, por ter sido um brilhante homem de cultura e inesquecível e empreendedor presidente da direcção da Sociedade Martins Sarmento.

Nesta teia de fios entrelaçados, há algo que se percebe: tal como Santos Simões, os Guimarães do Espinhal também são de Guimarães.


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2 Comentários

Sérgio Zuzarte disse…
Boa Tarde Dr. Amaro das Neves

Muito obrigado pelo texto que evidencia o entrelaçado humano entre a Cidade de Guimarães e a Vila do Espinhal.
Na tertúlia do dia de aniversário do nascimento do Dr. Joaquim Santos Simões, o seu amigo Dr. Amaro, desenrolou histórias e momentos para que nós percebêssemos muito melhor quem foi o homenageado. E conseguiu, pois a grande maioria não sabia de tamanha obra cívica, cultural, intelectual e pedagógica de Santos Simões.
Muito obrigado em nome da Casa Família Oliveira Guimarães, em nome do Espinhal e de todos os Espinhalenses.
Sérgio Zuzarte
Boa noite, Dr. Sérgio Zuzarte

Não tem que agradecer. Para mim foi um prazer conhecer o Espinhal e um privilégio ter estado aí a falar do meu amigo Santos Simões.

Eu é que agradeço o acolhimento que tivemos e a sala cheia para evocar de uma figura que liga Guimarães ao Espinhal.
aan