O Verde a Preto e Branco

A Praça da Oliveira, sem oliveira, numa das primeiras décadas do séc. XX. Fotografia da colecção da Muralha.

Ainda vamos a tempo de (re)ver a exposição O Verde a Preto e Branco na Colecção de Fotografia da Muralha (secção Tempo_2 Para além das panorâmicas), que estará aberta até ao próximo dia 3 de Novembro, no Guimarães Shopping. Entretanto, aqui partilho o texto que escrevi para esta exposição, sobre a árvore que, segundo uma velha lenda, está na origem de Guimarães partindo de uma fotografia da praça que lhe tomou o nome que retrata um tempo em que a árvore-símbolo não estava presente.

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Verde foi meu nascimento

Uma praça quase quadrada, com casario em volta, uma igreja de uma só torre com um mono obsceno pendurado numa esquina, um padrão gótico, que celebra a vitória em Aljubarrota, e não a outra batalha que lhe têm colado ao nome, um edifício erguido sobre arcos góticos, com uma estátua com duas caras na platibanda, a vigiar a praça. Noutros tempos, também lhe chamaram a Praça Maior, não tanto pelo seu tamanho, mas por nela se concentrarem os três poderes (o religioso, na Colegiada, o municipal, na Casa da Câmara, o judicial, na casa das audiências, anexa à Câmara, de que era símbolo o pelourinho, que também esteve nesta praça, mas isso já foi há muito tempo). De uma praça assim, tão rica de edifícios e de história, ninguém diria incompleta. No entanto, quando o olhar pousa nesta fotografia, a praça apresenta-se imperfeita, por lhe faltar o elemento de onde tomou o nome.
Quando Cécrope fundou Atenas, diz a lenda que fez de Atena a sua padroeira, depois de ver brotar uma oliveira no sítio onde a deusa espetara a sua lança. Essa terá sido a primeira oliveira do universo. Guimarães é irmã da grega Atenas, por parte da oliveira.
A história é simples de contar: estava-se na segunda metade do século VII e Vamba era um lavrador de vida simples que morava num lugar remoto da Península Ibérica. Certo dia, quando estava em sossego a lavrar um campo, foi chamado à presença de emissários da corte, que tinham vindo de muito longe para o encontrar. Tinha morrido Recesvinto, o rei dos visigodos, e ele tinha sido o escolhido para lhe suceder. Incrédulo e contrafeito, Vamba, que nunca tinha tido sonho maior do que o de continuar a ser um simples agricultor, respondeu que seria rei quando o seu aguilhão de guiar os bois reverdecesse, ou seja, nunca. Porém, quando espetou a sua vara do chão, repetiu-se o prodígio que maravilhara os atenienses: do aguilhão seco e inerte com que Vamba conduzia o arado começaram a brotar ramos, folhas e frutos. Vamba foi coroado rei dos visigodos e, à volta da frondosa oliveira que floresceu do seu aguilhão, cresceu a povoação que se chamou Guimarães.
A oliveira é o símbolo da paz e da vitória, mas também da persistência e da longevidade. Mesmo velha, de tronco retorcido e carregado de cicatrizes, dela continuam a brotar folhas, sempre verdes. Guimarães adoptou-a como símbolo. Dá o nome a esta praça e à Senhora que se celebra na sua igreja. Tempos houve em que fez milagres: cegos que passaram a ver, mudos que falaram, surdos que voltaram a ouvir, paralíticos que se levantaram e caminharam. Mas isso foi em tempos já encobertos pela poeira do esquecimento.
Na madrugada de 17 de Janeiro de 1872, mão oculta, a mando da Câmara, cortou a oliveira tão antiga como Guimarães, que já não operava maravilhas e atrancava o caminho por onde haveria de chegar o progresso, que é como quem diz, por onde haveriam de circular carroças e carruagens. Passou-se mais de um século sem oliveira na praça a que dera o nome. Na década de oitenta do século passado, com a requalificação do Centro Histórico de Guimarães, a oliveira reencontrou a sua praça e Guimarães recuperou um dos símbolos que estão inscritos no seu brasão, onde a Senhora se encosta a uma árvore daquelas.
Já todos ouvimos contar, vezes sem conta, uma adivinha posta em quadra, muito velha e muito poética, que começa com o verso “verde foi meu nascimento”. O nascimento de Guimarães teve a mesma cor, que não lhe veio da azeitona, como na adivinha, mas da oliveira que a produz.

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