Notas à margem duma "sessão informativa"


A “sessão informativa sobre o projecto de execução do parque de estacionamento adjacente às ruas da Caldeiroa, Liberdade e Camões”, ontem promovida pela Câmara Municipal de Guimarães na Sociedade Martins Sarmento, se foi pouco informativa, foi muito esclarecedora, ao permitir consolidar a ideia de que não há argumentos técnicos, económicos, urbanísticos ou sociais que justifiquem o esbanjamento de dinheiros públicos numa obra que tem tudo para vir a ser um elefante branco de dimensão quase faraónica.

Ainda não consegui perceber a intenção que presidiu à opção pelo modelo adoptado na sessão. Era sabido que havia um pedido de um debate público, que a Câmara teria recusado, para depois avançar com aquela “sessão informativa” que, se não foi um debate público, não se percebe bem o que terá sido.

Quem chegava ao magnífico Salão Nobre da Sociedade, era capaz de pensar que a Câmara terá preferido a posição que lhe seria mais confortável, evitando partilhar a mesa com quem defendesse opiniões contraditórias com as suas. Afinal, essa ilação estava errada. Logo no arranque da sessão se percebeu que na mesa havia quem tivesse opinião contrária ao projecto, tendo-a exprimido com toda a clareza da sua voz. E aquela não era uma voz qualquer: era a voz que nos habituámos a reconhecer, ao longo de várias décadas, como a que falava pelo processo de requalificação que levou o Centro Histórico de Guimarães à classificação como Património Mundial. “Nós, os técnicos, damos pareceres; o executivo decide” — foi uma expressão que me ficou a retinir nos ouvidos. Claro como a água: a decisão de avançar com obra tão desmesurada, quanto desnecessária, não é técnica, é política.

Tenho a dificuldade em perceber o argumento de autoridade repetido e sublinhado, um tanto fora de tom, pelo presidente da Câmara (algo como: quem decide sou eu, porque posso, quero e mando). Por outro lado, não me parece líquida a afirmação de que o projecto em discussão estava legitimado em eleições, uma vez que fazia parte do programa eleitoral com que se submeteu a votos.

Vejamos o que dizia o tal programa, a este propósito:

Construção do parque de estacionamento da rua de Camões potenciador da qualificação urbanística de um interior de um grande quarteirão localizado no centro da cidade, de apoio aos moradores e à actividade diária da cidade, nomeadamente comércio e serviços;
Este ponto do programa da candidatura socialista às autárquicas de 2013 replica o que vinha sendo dito, desde 2009, pela equipa que projectou a requalificação do Toural e da Alameda, com base no respectivo Plano de Mobilidade Viária e Transportes Públicos, elaborado pelo Eng. António Babo. Efectivamente, aí se previa a possibilidade de criação de um parque de estacionamento entre a Caldeiroa e Camões, para apoio aos moradores e às actividades de comércio e de serviços da cidade, que serviria de mote para a requalificação do interior degradado daquele quarteirão. Mas, o que então se previa, era um parque de superfície, com capacidade para 120 lugares, como em boa hora recordou o Arq. Ivo Oliveira, professor da Escola de Arquitectura da Universidade do Minho. Algo completamente diferente da solução agora em discussão.

Do que assisti da sessão de ontem, ficam as perguntas por responder. Onde estão os estudos prévios de mobilidade urbana que fundamentam a necessidade e a adequação deste projecto? Onde estão os números que demonstram a taxa de ocupação dos parques já existentes?

E não basta responder, como se respondeu, que “há muitos estudos”. Se os há, porque não se mostram?

Sou solidário com os moradores da rua de Camões que se queixam da degradação e dos ratos que têm o seu habitat no espaço para onde está projectado o parque de estacionamento. Mas não me parece que se justifique gastar tanto dinheiro para exterminar uns quantos ratos ou tratar dos terrenos deixados ao abandono pelos seus proprietários. Para quem ainda não percebeu a dimensão do que ali se vai enterrar, 8 milhões de euros!, recorda-se que é muito mais do que o que se investiu em todo o processo de requalificação do Toural, da Alameda, do Campo da Feira e da rua de Santo António (6 milhões de euros). Uma barbaridade, especialmente incompreensível num concelho com tantas carências.

Esta é, manifestamente, uma obra que não serve os interesses de Guimarães, nem dos vimaranenses. Se prevalecesse o bom senso, este era o momento em que se parava para estudar melhor e verificar se esta é a solução que melhor serve a cidade. Houve tempos em que era assim que se procedia por cá. Mas, depois do que ouvi ontem, já não tenho a certeza de que ainda haja o bom senso que dantes havia.

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