A Casa da Câmara, por Jerónimo de Almeida

A Casa da Câmara de Guimarães no início do século XX.

O último texto das Breves considerações arqueológicas que Jerónimo de Almeida publicou no jornal republicano Alvorada é dedicado à antiga Casa da Câmara, que se ergue na praça da Oliveira sobre os arcos que dão passagem para a praça de S. Tiago. Ao que se percebe ao ler este texto, por aqueles dias havia em Guimarães quem alimentasse a ideia de a mandar demolir “para aformosear a cidade”.

Breves considerações arqueológicas — VI

Câmara

A velha casa dos Paços do Concelho, situada na praça de Nossa Senhora da Oliveira, é dos antigos edifícios de Guimarães um dos que menor preço arquitectónico apresenta, tornando-se apenas um pouco característico pela larga arcada sobre que assenta a sua fachada e que dá comunicação entre esta praça e a de S. Tiago.
Embora modificada por sucessivas reformas que mencionarei, crê-se datar a sua obra do século XVI, tendo sido seu fundador o rei D. Manuel I, o que se depreende das esferas armilares que guarnecem com os brasões as suas janelas. Estes brasões e esferas, que primitivamente estavam cravados debaixo das ameias, foram mudadas, coroando as janelas na reforma que o edifício sofreu no século XVIII, sendo nesta mesma ocasião alterada a forma antiga delas, que devia obedecer ao estilo manuelino. Contudo parece que já em 1674 se fizera a primeira reparação, mas todas essas reconstruções foram ligeiras.
Existiu ao centro da linha das ameias um relógio de sol em pedra e uma pequena sineira, porém em 1877 foram substituídos pela estátua de Guimarães, que até essa data encimava a antiga alfandega, ao Toural. De novo as esferas e brasões foram mudadas.
Lê-se uma inscrição lapidar no cunhal que dá para a travessa dos Enjeitados, e é do teor seguinte:
Æternit. sacr. immaculatissimae conceptioni Mariæ Joan. IV. Portugal. Rex. Una cum General comitiis se et regna sua sub annuo censu tributaria, publice vovit. atque Deiparam in imperii tutelarem su electam a labe originali præservatã. perpetuo defensurũ. juramento firmavit. viveret ut pietas lusitan hoc vivo lapide memoriale perenne exarari jussit ann Christi MDCXLVI imperii sui vi.
Ano 1654.
Na sala das sessões vê-se um humilde altar, com um retábulo a óleo, de medíocre merecimento.
E nada mais tem este edifício digno de referência, porque é realmente uma obra modesta. Não quero significar, apesar disso, que se deva demolir para aformosear a cidade (como parece alguém pretender), pois não é destruindo a actual casa da Câmara que se tornará a cidade bela, antes conservando essas interessantes edificações de antigos bairros, e fazendo que do contraste da velha e nova povoação resulte um conjunto variegado e típico.
Jerónimo de Almeida.
Alvorada, 8 de Abril de 1911


Comentar

0 Comentários