1915: O triângulo "maçónico" do Passeio da Independência

O Passeio da Independência, numa imagem da segunda década do século XX
Em 1911, o jardim público do Toural foi desmantelado e transferido para o Terreiro de S. Francisco, que passou a designar-se de Passeio da Independência. Os arranjos urbanísticos foram dirigidos por José Ribeiro de Freitas e o Capitão José Luís de Pina foi encarregado de desenhar o novo pavimento em mosaico do Toural. É possível que este também tenha sido o autor do desenho do piso do Passeio da Independência, onde ficaria uma figura que, em 1915, foi objecto de uma polémica que trouxe à memória a destruição, dez anos antes do emblema da fachada da Associação Artística: a certa altura, um vereador municipal viu, num triângulo desenhado num canteiro, um símbolo maçónico e mandou-o substituir por um trevo. Esta história vem relatada no jornal republicano Alvorada:

Uns traços de desenhos acusados e maltratados por um ilustre vereador
Segundo o autorizado parecer de Gervásio Lobato, há ideias luminosas que rebentam espontâneas no bestunto... como os carolos na cabeça dos marçanos.
Ora sucede que o sr. vereador dos jardins se fez portador duma destas ideias luminosas, não se podendo porém dizer que fosse um parto espontâneo, pois nos consta que ela lhe foi soprada.
Por quem? Por toda a gente, terá dito o sr. vereador: mas, na realidade, o âmbito onde ele fizera a preciosa colheita não deverá ter passado além dos limites da sua cozinheira, da sua lavadeira, da sua comadre, da sua vizinha, mais desta, mais daquela, que são segundo a bitola do seu critério, pelo visto, a congeminação cerebral de toda a gente.
Consistiu essa ideia no seguinte: em convencerem-no de que um desenho traçado num canteiro do jardim do passeio da Independência era, nem mais, nem menos, - um triângulo maçónico!
Podia o sr. vereador, se por si não soubesse dar resposta condigna às desprezadoras vozes do vulgo, buscar esclarecer-se com o autor do referido desenho do canteiro do jardim; e, depois de informado convenientemente, esperar que de novo o abeirasse a opinião da sua cozinheira, mais da sua lavadeira, mais da sua comadre, mais da sua vizinha, mais desta, mais daquela, para então lhes desfechar sem artifícios  este troco correlativo: - "Olhem, tratem da meia, pois não percebem nada de horta". Mas não: o sr. vereador acatou como boa a opinião dessa toda a gente que gravitou em redor do seu ouvido, mandou desfazer o desenho que um artista, sem intenções maçónicas, traçara, e ficou muito contente de si próprio.
Pois pode gabar-se da linda obra educativa que fez!
Vai este sr. vereador para a colecção daqueles espertalhões que igualmente na frontaria do edifício da Associação Artística mandaram desfazer um triângulo, símbolo de trabalho - tal e qual como o grupo de triângulos expostos, sem reparo, há três anos, no jardim do Passeio da Independência, e que só agora, porque era símbolo apenas... de arte e gosto, foram de igual modo derruídos!
Fique aqui o desenho para maior destaque de tal disparate:

Este grupo de triângulos foi substituído por um trevo de 3 folhas. Falta saber se o trevo escapará.
Sim, porque tratando-se de vereador supersticioso, bem pode suceder que ele, em nome de toda a gente, reclame um trevo - mas de quatro folhas, que é da fortuna.
Alvorada, Guimarães, 6 de Maio de 1915

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2 Comentários

Anónimo disse…
Dr. Amaro das Neves,
Tenho lido o que tem escrito sobre a maçonaria em Guimarães. A propósito do que afirmou acerca da Associação Artística que, na sua opinião, não terá filiação maçónica, tenho as minhas dúvidas, que estão para lá do respetivo emblema. Aqui há tempos, estive lá num debate, para ouvir o Carvalho da Silva, que conheço há muitos anos e reparei na decoração da casa, com mosaicos pretos e brancos no chão, colunas e pinturas na parede. Se aquilo não maçónico, eu não a Sé de Braga não é católica.

Cumprimentos,
Carlos Ferreira
O Senhor Vereador de 1915 era talvez um conservador que ignorava que muitos ilustres membros da Ordem foram e são crentes e, até, bispos e cardeais. Deve ter ficado sob a acusação que vem dos tempos do Santo Oficio e que foi retomada pela ditadura deposta em 25 de Abril de 1974, que os Maçons, ou pedreiros livres, são contra a religião.

Era gente que não cria no pressuposto de que é possível um homem melhor numa sociedade melhor.

Nos tempos de hoje ainda existe tal gente em funções de responsabilidade.