Memórias Paroquiais de 1758: Introdução.

Padre Luís Cardoso (c. 1694-1769).

Na década de 1740, um padre da Congregação do Oratório de S. Filipe Néri, dedicou-se à recolha de informação sobre a geografia de Portugal, tendo em vista a publicação de um Dicionário Geográfico ou Notícia Histórica de todas as cidades, vilas, lugares e aldeias, rios, ribeiras e serras dos reinos de Portugal e Algarve. No prólogo com que abre o primeiro volume daquela obra, impresso em 1747, explicou a génese de projecto tão grandioso que, de início, apenas pretendia ser um “índice geral ou reportório de tudo o que compreendem os três Tomos da Corografia Portuguesa, nos quais não era fácil achar o que cada um buscava como nos sucedeu não poucas vezes, pelo confuso método com que a escreveu o Padre António Carvalho da Costa”.
Com o avançar do trabalho, percebeu o padre Luís Cardoso que ficaria muito incompleto, porque àquele “ grande corpo lhe faltavam as veias, e os olhos, que são as serras, as fontes, e os rios tão célebres nas penas dos Escritores antigos, assim nacionais, como estranhos, de que a Corografia não dá mais que uma escassa notícia”. Decidiu então seguir por outro caminho, com o propósito de “suprir as faltas, e emendar os erros” que encontrava na Corografia do Padre Costa. Elaborou um longo questionário, com 65 perguntas divididas em três partes (terras, serras, rios) que, por ordem do rei D. João V, foram remetidos aos bispos e cabidos do reino. para que os párocos de cada freguesia lhes respondessem. 
Desse inquérito resultou o Dicionário Geográfico, de que se publicaram as quase 800 páginas do primeiro volume, que cobria a letra A, e outras tantas do segundo volume, referente às letras B e C, que saiu em 1751. Tanto quanto se sabe, o autor já tinha coligido todas as informações necessárias para a publicação dos restantes volumes, mas tudo se terá perdido no terramoto que arrasou Lisboa no primeiro dia de Novembro de 1755.
No dia 18 de Janeiro de 1758, o Secretário de Estado dos Negócios Interiores do Reino, Sebastião José de Carvalho e Melo, remeteu um Aviso às autoridades eclesiásticas do país, em que remetia um longo questionário, que deveria ser respondido por todos os párocos, com informações geográficas, históricas, patrimoniais, demográficas, económicas, administrativas, judiciais de cada uma das respectivas paróquias. As perguntas repartiam-se por três secções (terras, serras, rios) e replicavam, quase sempre literalmente, o questionário do padre Luís Cardoso, ao qual se acrescentava um nova pergunta: “Se [a paróquia] padeceu alguma ruína no terramoto de 1755, e em quê, e se está reparado?”.
Como facilmente se percebe, este novo inquérito partia de iniciativa do padre Luís Cardoso. As mais de quatro mil respostas que foram recebidas, foram enviadas para a Casa de Nossa Senhora das necessidades, onde o nosso geógrafo-historiador se encontrava. Poderia concluir a obra que o grande cataclismo de 1755 interrompera. No entanto, o seu Dicionário geográfico ficar-se-ia pelos dois tomos publicados até 1751. As respostas ao inquérito, que ficariam conhecidas como as Memórias Paroquiais de 1758 estão hoje à guarda do Arquivo Nacional / Torre do Tombo e disponíveis na Internet, sendo uma valiosa fonte de informação para o estudo da nossa história, que tem sido trabalhada pelo professor José Viriato Capela, da Universidade do Minho.
Nos próximos tempos, iremos publicar aqui uma nova transcrição, a partir dos originais manuscritos e com ortografia actualizada, das respostas dos párocos das freguesias do concelho de Guimarães ao inquérito de 1758, ao ritmo de uma freguesia por dia. A sua extensão, pormenorização e qualidade literária é muito variável, como logo veremos, mas, em todos os casos, a riqueza das informações que transmitem é absolutamente preciosa para o conhecimento da nossa terra.
Para começar, aqui ficam as perguntas que se pediu aos párocos que respondessem, que são muito úteis para começarmos a adivinhar o que poderemos encontrar nas respostas:


1. Em que província fica, que bispado, comarca, termo e freguesia pertence?
2. Se é de el-rei, ou de donatário, e quem o é ao presente?
3. Quantos vizinhos tem e o número das pessoas?
4. Se está situada em campina, vale, ou monte, e que povoações se descobrem dela, e quanto dista?
5. Se tem termo seu, que lugares ou aldeias compreende, como se chamam, e quantos vizinhos tem?
6. Se a paróquia está fora do lugar, ou dentro dele, e quantos lugares, ou aldeias tem a freguesia, todos pelos seus nomes?
7. Qual é o orago, quantos altares tem, e de que santos, quantas naves tem; se tem irmandades, quantas, e de que santos?
8. Se o Pároco é cura, vigário, ou reitor, ou prior, ou abade, e de que apresentação é, e que renda tem?
9. Se tem beneficiados, quantos, e que renda tem, e quem os apresenta?
10. Se tem conventos, e de que religiosos, ou religiosas, e quem são os seus padroeiros?
11. Se tem hospital, quem o administra, e que renda tem?
12. Se tem casa de Misericórdia, e qual foi a sua origem, e que renda tem; e o que houver notável em qualquer destas coisas?
13. Se tem ermidas, e de que santos, e se estão dentro, ou fora do lugar, e a quem pertencem?
14. Se acode a eles romagem, sempre, ou em alguns dias do ano, e quais são estes?
15. Quais são os frutos da terra que os moradores recolhem em maior abundância?
16. Se tem juiz ordinário, etc., câmara, ou se está sujeita ao governo das justiças de outra terra, e qual é esta?
17. Se é couto, cabeça de concelho, honra, ou beetria?
18. Se há memória de que florescessem, ou dela saíssem, alguns homens insignes por virtudes, letras, ou armas?
19. Se tem feira, e em que dias, e quantos dura, se é franca ou cativa?
20. Se tem correio, e em que dias da semana chega e parte; e, se o não tem, de que correio se serve, e quanto dista a terra onde ele chega?
21. Quanto dista da cidade capital do bispado, e quanto de Lisboa, capital do reino? Se tem algum privilégio, antiguidades, ou outras coisas dignas de memória?
22. Se há na terra, ou perto dela alguma fonte, ou lagoa célebre, e se as suas águas têm alguma especial qualidade?
23. Se for porto de mar, descreva-se o sítio que tem por arte ou por natureza, as embarcações que o frequentam e que pode admitir?
24. Se a terra for murada, diga-se a qualidade de seus muros; se for praça de armas, descreva-se a sua fortificação.
25. Se há nela, ou no seu distrito algum castelo, ou torre antiga, e em que estado se acha ao presente?
26. Se padeceu alguma ruína no terramoto de 1755, e em quê, e se está reparado?
27. E tudo o mais que houver digno de memória, de que não faça menção o presente interrogatório?


Na segunda parte pretende-se saber o seguinte sobre a serra:
1. Como se chama?
2. Quantas léguas tem de comprimento, e quantas de largura; onde principia, e onde acaba?
3. Os nomes dos principais braços dela?
4. Que rios nascem dentro do seu sítio, e algumas propriedades mais notáveis deles; as partes para onde correm, e onde fenecem?
5. Que vilas e lugares estão assim na serra, como ao longo dela?
6. Se há no seu distrito algumas fontes de propriedades raras?
7. Se há na serra minas de metais, ou canteiras de pedra, ou de outros materiais de estimação?
8. De que plantas, ou ervas medicinais é a serra povoada, e se se cultiva em algumas partes, e de que géneros de frutos é mais abundante?
9. Se há na serra alguns mosteiros, igrejas de romagem, ou imagens milagrosas?
10. A qualidade do seu temperamento?
11. Se há nela criações de gados, ou de outros animais, ou caça?
12. Se tem alguma lagoa, ou fojos notáveis?
13. E tudo o mais que houver digno de memória?


E sobre os rios que passarem na terra, procura-se saber:
1. Como se chama, assim o rio, como o sítio onde nasce?
2. Se nasce logo caudaloso, e se corre todo o ano?
3. Que outros rios entram nele, e em que sítio?
4. Se é navegável, e de que embarcações é capaz?
5. Se é de curso arrebatado, ou quieto, em toda a sua distância, ou em alguma parte dela?
6. Se corre de norte a sul, se de sul a norte, se de poente a nascente, se de nascente a poente?
7. Se cria peixes, e de que espécie são os que traz em maior abundância?
8. Se há nele pescarias, e em que tempo do ano?
9. Se as pescarias são livres, ou de algum senhor particular, em todo o rio, ou em alguma parte dele?
10. Se se cultivam as suas margens, e se tem muito arvoredo de fruto ou silvestre?
11. Se tem alguma virtude particular as suas águas?
12. Se conserva sempre o mesmo nome, ou o começa a ter diferente em algumas partes, e como se chamam estas, ou se há memória de que em outro tempo tivesse outro nome?
13. Se morre no mar, ou em outro rio, e como se chama este, e o sítio em que entra nele?
14. Se tem alguma cachoeira, represa, levada, ou açudes que lhe embaracem o ser navegável?
15. Se tem pontes de cantaria, ou de pau, quantas e em que sítio?
16. Se tem moinho, lagares de azeite, pisões, noras ou outro algum engenho?
17. Se tem algum tempo, ou no presente, se tirou ouro das suas areias?
18. Se os povos usam livremente das suas águas para a cultura dos campos, ou com alguma pensão?
19. Quantas léguas tem o rio, e as povoações por onde passa, desde o seu nascimento até onde acaba?
20. E qualquer outra coisa notável que não vá neste interrogatório.


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