João de Meira, 1881-1913 - (3): O fruto e a flor.

Domingos leite de Castro (1846-1916)

Junto ao túmulo onde foi sepultado João de Meira, um dos fundadores da Sociedade Martins Sarmento, Domingos Leite de Castro, usou da palavra em nome daquela instituição, onde o futuro professor da Faculdade de Medicina do Porto formara o seu amor ao estudo e ao saber. Disse:

Não é costume os doridos virem a este lugar. A Sociedade Martins Sarmento, perante a urna que encerra os restos de João de Meira, assiste ao desfolhar da sua última esperança. Se ela pode, no seu mais remoto passado, ser mais ou menos propriamente representada por quem lê (ou devia ler) estas linhas se foi levada ao seu mais alto esplendor da hora presente, pelo pai desolado deste pobre rapaz morto, no futuro devia ser ele, o nosso João Meira, o seu representante, o seu orgulho, o seu mais firme esteio.
A Sociedade Martins Sarmento não morre porque é um corpo coletivo, porque desde o seu principio ela congrega em si e vive dos mais elevados e puros sentimentos, a gratidão àqueles que enobrecem a nossa terra pelo seu trabalho honesto, o culto dedicado e puro da boa ciência; mas, depois que a terra, a mãe de nós todos, receber no seu seio o corpo gelado e frio desta flor humana, nós ficamos com firmeza, sim, mas ficamos à espera que se revele aquele que há-de substituí-lo.
João Meira, nos seus 32 anos, era já um erudito, além do seu saber profissional, e ao mesmo tempo que dava o fruto saboroso e são, dava também a flor fina e perfumada, era um artista. Era também um patriota, tinha um verdadeiro amor à sua pequena pátria, e o seu livro perfeito — O concelho de Guimarães — em que lançou as bases da renovação da nossa história, é a prova do tudo isso. Mas o que a nós mais nos comovia era a sua dedicação incansável, a sua ingénua gratidão à nossa Sociedade, onde se formara o seu amor ao estudo e ao saber, como ainda há poucos meses, quando o mal que o havia de levar dera já o golpe fatal, nos contava, recordando os primeiros passos da sua infância na senda gloriosa que deveria ser a sua, como se o seu amor à Sociedade fosse ainda uma projecção do seu amor de filho amantíssimo como se quisesse deixar-nos no coração, aos antigos, antes de morrer, a impressão terna o suave de se ter sido útil um dia, como se nos quisesse dizer adeus com carinho. Por isso nos também, em nome da Sociedade, um nosso nome, vimos deixar o nosso adeus ao corpo que encerrou tão formoso espírito, com um pesar extremo, com uma saudade infinita.

O Comércio de Guimarães, 30 de Setembro de 1913

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