A chinela de Guimarães (4)





No terceiro volume da sua obra Mesteres de Guimarães, A. L. de Carvalho fala da chinela de Guimarães:

Ficaram ainda as chinelas de mulher.

Como que a darem-lhe tipismo, distinguem-nas, no singular, por — chinela de Guimarães.

Sendo assim, é então certo que Guimarães, na etnografia da chinela de mulher, tem o seu padrão próprio, inconfundível.

Talhada para ser, na sua maioria, usada por gente de pé descalço, sua forma é calçadeira, um tudo nada rasa, embora de bico aguçado. Seu tacão é baixo, todo em sola, esganado ao meio. Cabedal preto, em verniz ou vitela da terra. A gáspea, no peito do pé, é bordada com retrós de cores, — se a chinela não é para viúva; porque se é, então será lisa.

Um pormenor:

A chinela de Guimarães tem a gáspia ligada à calcanheira, e esta é acalcanhada.

É esta a chinela antiga de Guimarães, aquela que alcançou conquistar alguns mercados em terras transmontanas, embora outros tipos modernos a venham fazendo recuar à sua origem.

Aqui ficam estes elementos, que bem podem fazer parte de uma monografia curiosa, dada a multiplicidade de chinelas que se vêem por terrinhas de Portugal.

E tanto se usaram! Basta atentar na tricana aveirense — o mais belo tipo de mulher pelo seu doairo e traje antigo — para se ver como o sapato anda avassalando a popular chinela.

Assim é por toda a parte.

Faz a chinela, dentro dos seus domínios, esforços por não morrer.

Basta reparar, em nossos dias, na variedade dos seus recortes e enfeites, — verdadeiras obras-primas de “gaspeadeiras” artistas.

*

Estas artistas "gaspeadeiras" não vêm do passado. Pertencem à idade da máquina — a máquina de braço, com a qual em seu início era de uso trabalhar mais o homem do que a mulher.

Esta máquina de coser, de cravar, fez na sua alvorada — uma revolução!

O sr. Francisco “Sequinho”, chineleiro, que já há muito atravessou os setenta, contou-me: que, no seu tempo de rapaz, quase toda a obra era cosida à mão.

E acrescentou:

Ganhava um tostão por dia, mas tinha de debruar uma duzia de pares de chinelas; quando não, caia-me no lombo o tira-pé!



Bons fregueses da chinela eram os homens e as mulheres do mar da Póvoa. Quando em bandos, a pé, aqui vinham à romaria grande de S. Torcato, não deixavam de se abastecer de chinelas — a acreditada chinela de Guimarães
A. L. de Carvalho, Mesteres de Guimarães, vol. III, 1942, pp. 170-171


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