A obra do historiador e
arqueólogo Inácio de Vilhena Barbosa, inicialmente dispersa em
diversas publicações periódicas, é incontornável para quem
pretenda conhecer a história local de Guimarães. Da longa série de textos sobre Guimarães, a sua história e os seus
monumentos que dedicou a Guimarães, os mais antigos serão,
provavelmente, os que saíram no final da década de 1850 na revista
A Ilustração Luso-Brasileira.
Começamos agora a republicar o
trabalho em que faz uma descrição geral da cidade e dos seus
arrabaldes, que saiu em dois números daquela revista, datados de
Setembro e Outubro de 1859, e em que retoma uma explicação para a
origem do nome de Guimarães, que já conhecemos, pelo menos,
desde o tempo do padre Torcato Peixoto de Azevedo, que escreveu que
esse nome provinha de
um
letreiro que está na torre antiga do seu castelo, que diz Via Maris,
que indicaria
que
esta terra ficava no caminho que levava até ao mar. Esta inscrição,
nunca ninguém a encontrou.
A
cidade de Guimarães
Se dermos crédito aos nossos
antiquários à origem de Guimarães quase que se perde na escuridão
dos tempos. Alguns dão-lhe por fundadores os galo-celtas, e como se
isto não bastasse para sua nobreza, ainda há quem lhe atribua um
princípio mais remoto. Deixando porém estas notícias meio
fabulosas e destituídas de bons fundamentos, diremos contudo que a
sua primeira fundação é anterior alguns séculos à monarquia, e
que teve por assento à pequena eminência vizinha, onde vemos o
castelo.
Começou a actual povoação
junto a um mosteiro, que a condessa Mumadona, tia de D. Ramiro II,
rei de Leão, edificou em o ano de 927.
Apenas concluída a fábrica do
mosteiro, que em relação ao tempo era uma obra grandiosa, no qual
se acomodaram monges e freiras, vivendo com bastante largueza pelas
avultadas doações que a fundadora lhes fizera, foram-se construindo
em torno do convento algumas casas para habitação de pessoas
dependentes dele. Cresceram pouco a pouco estas edificações,
mudando-se para este sítio os moradores da antiga vila Vimaranense,
que assim veio a despovoar-se e a arruinar-se de todo, restando boje
poucos vestígios dela.
Para defesa do mosteiro, onde
Mumadona se recolhera depois de viúva, e do burgo, que já contava
bom número de habitantes, mandou a condessa fundar a pouca distância
do mosteiro, no sítio em que outrora se erguia a vila velha, um
forte castelo, cercado de altas muralhas, e flanqueado de sele
torres. Neste venerando castelo, que ainda se levanta majestosamente
sobre trono de rochedos, veio no fim do século seguinte assentara
sua corte D. Henrique de Borgonha, conde de Portugal pelo seu
casamento com D. Tareja, filha de D. Afonso 6.º, rei de Leão e de
Castela.
Aí, dentro do recinto dessas
toscas muralhas, que seriam hoje estreito espaço para residência de
um simples governador, nasceu e criou-se o vencedor de Ourique, o
primeiro rei dos portugueses.
O mosteiro da condessa
Mumadona, santuário consagrado à Virgem sob a invocação de Nossa
Senhora da Oliveira, e venerado em todo o reino pelo milagre que deu
origem à invocação, tornou-se mais tarde nessa real colegiada, que
desfruta honras quase de sé.
Deu foral à nova vila o conde
D. Henrique, conservando-lhe o mesmo nome da antiga, que se chamava
Vimarães. Parece que a etimologia daquele nome eram as duas palavras
latinas — Via maris, que se viam esculpidas numa
pedra em uma torre da vila velha, que na edificação do castelo
ficou no centro servindo de torre de menagem. Esta inscrição, sem
dúvida do tempo da dominação romana, indicava que a estrada, que
por ali passava, conduzia à Costa do mar. Da inscrição pois
proveio à terra o nome de Vimaranes, ou Vimarães, que ao diante se
corrompeu no de Guimarães. Pela mesma razão se denominava quinta de
Vimarães a propriedade em que Mumadona erigiu o seu mosteiro.
Por morte do conde D. Henrique
continuou seu filho, o príncipe D. Afonso Henriques, a residir em
Guimarães, onde o veio cercar no ano de 1130 seu primo D. Afonso
VII, rei de Leão Castela, por aquele se querer eximir de lhe render
vassalagem. Foi este circo, que deu lugar à memorável acção de D.
Egas Moniz, em que este tão esforçado cavaleiro, quão dedicado aio
do jovem príncipe, tendo conseguido de D. Afonso VII o levantamento
do sítio sob promessas, que ao depois se não cumpriram,
apresentou-se em Toledo, perante o monarca castelhano, com sua mulher
e filhos, todos vestidos de alva e com baraço ao pescoço,
oferecendo assim a sua vida e a de sua família pela palavra não
cumprida. Afonso VII soube corresponder com generoso perdão a
tamanho rasgo de lealdade e nobreza de carácter, tanto mais digno de
admiração por ser praticado em uma época, em que os próprios
príncipes faziam ostentação de falta de cumprimento das suas mais
solenes promessas.
As gloriosas empresas de D.
Afonso Henriques contra os sarracenos, dilatando de
ano para ano os limites
da nascente monarquia, fizeram perder à vila de Guimarães a
prerrogativa
de corte,
que se mudou com grande prejuízo seu para a cidade de Coimbra, mais
central em relação às novas conquistas, que se tinham estendido
pela Estremadura
e Alentejo até
ao Algarve. Porém do que a vila perdeu com a saída
da corte
não tardou a ser compensada com a grande afluência
de peregrinos e romeiros, que, vendo-se desafrontados do maior perigo
das correrias dos mouros,
vinham de longes terras venerar a sagrada e milagrosa imagem de Nossa
Senhora da Oliveira.
Nesses primeiros séculos da
monarquia, em que as guerras absorviam todas as atenções, em que as
armas constituíam, por assim dizer, o único exercício nobre e
honroso, a vila de Guimarães engrandecia-se à sombra do santuário,
cujos milagres ecoavam de um a outro extremo do reino, vindo aqui
estabelecer-se muitas famílias nobres, e várias ordens religiosas.
E quando Portugal, já grande e temido pelas suas vitórias e
conquistas, começou a colher os frutos da paz, prosperou então
Guimarães pelo poderoso impulso da indústria. Porém a separação
do Brasil, para onde exportava a maior parte dos seus produtos
fabris, ocasionou-lhe a progressiva decadência do seu comércio e da
sua indústria manufactora.
Nas discórdias que rebentaram
entre el-rei D. Dinis e seu filho, o príncipe D. Afonso, e na luta
travada para a independência do país, entre o mestre de Avis e D.
João I de Castela, padeceu Guimarães circos e combates. As pestes,
que flagelaram Portugal no século XVI, dizimaram-lhe grande parte da
sua população.
No antigo regime gozava de voto
em cortes com assento no banco terceiro. A imagem da Virgem tendo nos
braços o Menino Jesus, que empunha na mão esquerda um ramo de
oliveira, em campo de prata, constitui o brasão de armas da antiga
vila de Guimarães, há pouco elevada à categoria de cidade.
Está situada Guimarães na
província do Minho, em terreno um tanto alto, próximo das faldas da
serra de Santa Catarina. Dista do Porto oito léguas para o norte, e
três de Braga para o nascente.
Tem as seguintes paróquias : a
colegiada de Nossa Senhora da Oliveira; S. Miguel do Castelo; S.
Sebastião; S. Paio; e Santiago. A primeira, cuja fundação
primitiva pertence a condessa Mumadona, como acima dissemos, foi
erigida em capela real pelo conde D. Henrique, deixando então de ser
mosteiro. D. Afonso Henriques e os reis seus sucessores
concederam-lhe muitas honras e bens, e alcançaram-lhe do papa
grandes privilégios, com os quais veio a ser uma das mais ricas e
insignes colegiadas do reino. Compõe-se o cabido de várias
dignidades e cónegos, presididos por um prelado, que se intitula dom
prior de Guimarães.
I. de Vilhena Barbosa.
A Ilustração Luso-Brasileira,
n.º 38, vol III, 24 de Setembro de 1859, pp 298-299.
2 Comentários
Um pouco como a “Pedra de Rosette”, fragmento de estela, descoberta por um soldado de Napoleão, no Egipto, próximo de Alexandria, e que, graças às três versões do mesmo texto permitiu a Champolion, de decifrar os hieróglifos.